sexta-feira, 14 de outubro de 2016

"Desglobalização e nacionalismo são ameaça crescente", editorial de O Globo

Políticas populistas, fechamento de fronteiras e ascensão de líderes demagogos e totalitários são um retrocesso que ameaça levar o mundo a uma nova era de conflitos


O que pareceria um efeito da crise financeira de 2008 a retardar a retomada do crescimento, começa a ser visto pelo que de fato é: uma tendência de mudança da ordem mundial, caracterizada sobretudo por uma perigosa aversão à integração global. Tanto no campo político quanto na economia, uma desconfiança generalizada se espalha, traduzindo-se em propostas de fechamento de fronteiras, medidas protecionistas, redução do comércio mundial e expansão de radicalismos populistas, à direita e à esquerda.

O fenômeno Donald Trump na campanha eleitoral americana; a recente saída do Reino Unido da União Europeia, Brexit; e o avanço de movimentos políticos nacionalistas em eleições regionais e majoritárias em França, Alemanha, Espanha, Hungria, Polônia e Grécia evidenciam o fenômeno, que alguns já chamam de desglobalização. Não é de surpreender, portanto, que o tema tenha entrado no radar de cientistas políticos e economistas e dominado os debates entre ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais durante o encontro anual de FMI e Banco Mundial, em Washington, na semana passada.

Segundo o FMI, desde 2012 o comércio mundial vem crescendo apenas 3% ao ano, menos da metade da taxa de expansão verificada nas últimas três décadas. Entre 1985 e 2003, as trocas de bens e serviços entre países cresceram duas vezes mais rapidamente do que o PIB mundial, mas, nos últimos quatro anos, o comércio mundial sequer conseguiu manter o passo. E essa desaceleração ocorreu tanto em países desenvolvidos quanto entre emergentes. De acordo com a OMC, ele deve crescer apenas 1,7% este ano, marcando a primeira vez em 15 anos que a expansão é mais lenta do que a da economia mundial.

É sintomático que o Reino Unido de Margaret Thatcher lidere agora um movimento de isolamento. Mas a premier britânica, Thereza May, aproveitou a aprovação do Brexit — marcadamente um voto antiglobalização — para propor uma lei obrigando as empresas do país a informar quantos estrangeiros têm em suas folhas de pagamento. A medida está sendo comparada à legislação nazista para identificar judeus na Alemanha.

Em artigo no “Financial Times”, o ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers alertou que, confrontados por discursos populistas e promessas de soluções miraculosas, líderes e ideias convencionais parecem ter perdido a iniciativa, e a economia global estaria entrando num “território inexplorado e perigoso”. Segundo ele, o Brexit; a ascensão de Trump e Bernie Sanders, dois extremos, na campanha eleitoral americana; o crescimento da extrema-direita nacionalista em eleições regionais na Europa; o fortalecimento do líder russo Vladimir Putin; e a volta à veneração de Mao na China são sintomas do retorno do populismo autoritário. Os sinais são de fato preocupantes, pelo que representam em retrocesso político e econômico. O mundo precisa de integração e abertura, não o contrário.