terça-feira, 18 de outubro de 2016

"Congresso: o que temos e o que queremos", por Carlos Fernando dos Santos Lima

A qualidade de nossa representação política decai ano após ano. Hoje o Parlamento brasileiro é um deserto de lideranças

O exercício da política, outrora definida como a busca do bem comum, deteriorou-se a tal ponto neste novo século que vem comprometendo o próprio ideal democrático. Não somente aqui no Brasil, mas em todo o mundo, esse fenômeno se repete, como se pode ver em episódios que vão desde os gridlocks no Congresso americano, passando pelo impasse no referendo revogatório na Venezuela, e chegando ao esmagamento da oposição interna na Rússia. Nessa atmosfera de ataques constantes à democracia, com a negação de alguns de seus princípios básicos, é que podemos entender o extremismo de muitos que apoiam Donald Trump, ou as manifestações do presidente filipino, conclamando a população a matar traficantes de entorpecentes.

E não é diferente no Brasil. A qualidade de nossa representação política decai ano após ano. Hoje, o Congresso brasileiro é um deserto de lideranças. Não há muito tempo poderíamos discordar de ideias e propostas de um Ulysses Guimarães, Thales Ramalho ou de um Leonel Brizola, mas respeitávamos as carreiras políticas construídas sob fundações coerentes e conhecidas. Pode ser que não fossem tudo aquilo que imaginávamos, mas transmitiam uma aura de respeitabilidade de que hoje sentimos falta.

O que acontece atualmente é a descrença na política. Vemos muitos homens públicos não mais como vetores de interesses públicos e da discussão em alto nível dos problemas do país, mas sim como procuradores de interesses privados, quando não corruptos simplesmente. Obviamente, há exceções em maior ou menor grau, mas que apenas pela excepcionalidade, confirmam a decadência de nossa política.

Nesse sentido é que podemos entender aqueles que tentam votar na calada da noite uma anistia ao caixa dois, aqueles que douram repatriações de recursos — sempre ilícitos — mantidos no exterior, ou aqueles ainda que buscam aprovar uma lei de abuso de autoridade que visa algemar juízes, procuradores, policiais e fiscais, funcionários públicos que tentam, de alguma forma, contra toda a dificuldade, lutar para fazer valer uma regra simples: todos são iguais perante a lei.

E se todos somos iguais, por que a maioria de nós, que paga os impostos diariamente em todos os produtos que compra, ou que todo mês tem descontado o Imposto de Renda de seu contracheque, não é beneficiado também por uma anistia? Será que também não temos algumas multas aplicadas pela indústria das multas de trânsito que mereceriam talvez ser perdoadas? Ou quem sabe não poderíamos punir abusos de autoridade reais como a carteirada ou um “sabe com quem está falando?”, tão comuns em nosso dia a dia.

Na verdade, há muitos abusos não punidos no Brasil. Há abuso de poder quando se usa a legislação para calar a Justiça. Há abuso quando se corrompe, sob pretexto de um bem maior, para a formação de maiorias legislativas. Há abuso quando o interesse das grandes corporações é atendido em detrimento do Erário, com refinanciamentos tributários infindáveis. Há abuso quando se permite que pessoas que mantiveram valores no exterior sem pagar impostos sejam agora anistiados por seus crimes e tenham legalizado esse capital sem qualquer questionamento sobre sua origem.

De qualquer modo, só há uma saída. Devemos acreditar na democracia. E devemos participar dela efetivamente, cada um da maneira que pode. E uma das principais maneiras é não dando nosso voto para aqueles que têm envolvimento em atos de corrupção, para aqueles que usam de conchavos no meio da noite para aprovarem leis contra o interesse do povo; enfim, para todos aqueles, independentemente do partido a que pertençam, que fizeram a política chegar ao estado terminal em que se encontra hoje.

Carlos Fernando dos Santos Lima é procurador regional da República