Enquanto a Lava-Jato avança — depois de indiciar Lula no caso do tríplex de Guarujá, prende outra estrela petista, o ex-ministro Antonio Palocci —, crescem de forma visível articulações para desidratar a operação no Congresso, por meio da aprovação de projetos que, na prática, a tornem inócua ou quase isso. Sem prejuízo de outras manobras. Tudo segue o plano esboçado nas conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, com o alto-comando peemedebista — Renan Calheiros, que o indicou para a subsidiária da Petrobras, Romero Jucá, José Sarney.
A esperta criminalização do caixa dois, item da lista de dez propostas do Ministério Público para tornar mais eficiente o combate à corrupção, era parte desse plano. Criminalizada a doação por baixo dos panos, os beneficiários de dinheiro por fora de empreiteiras, na Lava-Jato, poderiam ser anistiados, com o argumento de que lei não retroage. Esquecem-se, porém, que a legislação eleitoral já qualifica essas operações como delitos. O GLOBO denunciou o truque, e a banda saudável da Câmara abortou a esperteza, de origem pluripartidária: PT, PMDB, DEM, PSDB.
O ministro-chefe da Casa Civil, o influente Geddel Vieira, chegou a dar entrevista a favor da tese desta execrável anistia. Não foi seguido pelo presidente Michel Temer, outro peemedebista de quatro estrelas, que considerou a opinião do ministro “personalíssima”.
Mas ficou apenas nisso. Foi pouco. Com o presidente do Senado, Renan, falando abertamente contra a Lava-Jato — ele é um dos investigados pela operação —, entre outros, esperam-se mais ataques à força-tarefa de Curitiba no Legislativo. Há pelo menos mais um projeto na agulha, do deputado lulopetista suplente Wadih Damus (RJ), que atrai grande apoio da cúpula do PMDB: o que impede contribuição premiada de quem está preso. Aprovado, na prática esvazia o instrumento da delação negociada com o MP.
Em outra esfera, no Supremo, tramita uma questão-chave para também se reduzir a impunidade no Brasil, em especial nos crimes de colarinho branco cometidos na política: o entendimento de que penas confirmadas em segunda instância, por colegiado de magistrados, devem começar a ser cumpridas, sem prejuízo dos recursos. Recorre-se, mas preso, como em vários países desenvolvidos. Por maioria de votos, 7 a 4, o STF, em um julgamento em fevereiro, considerou que o réu deveria cumprir a pena ao perder recurso na segunda instância, como vigorou até 2009. Mas não foi um veredicto com força de súmula, para todos os tribunais. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Partido Ecológico Nacional (PEN) entraram com ações de declaração de inconstitucionalidade contra aquela decisão, a serem julgadas na primeira quarta-feira de outubro, dia 5.
Chance de afinal estender-se o veredicto a toda a Justiça — necessário para se acabar com a chicana da protelação ao máximo da execução de sentenças, até a prescrição dos crimes. Ou não. Nesse caso, a Lava-Jato terá grave revés. Os quatro ministros que se opuseram ao então voto vencedor, de Teori Zavascki — Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e o ainda presidente da Corte, Ricardo Lewandowski — estariam recebendo adesões para este julgamento crucial.
Se confirmadas, será péssimo para o combate à impunidade, uma das mazelas do país.
Em recente palestra, o ministro Dias Toffoli fez uma comparação dissonante entre a imprescindível atuação da Justiça no enfrentamento da corrupção e a ditadura militar. Os militares se sentiram “donos do poder” e criminalizaram a política. Para ele, a Justiça também não pode exagerar neste mesmo “ativismo”. Mas é o contrário. A Justiça tem colaborado para a restauração da verdadeira política, e deve continuar assim. Já a ditadura suprimiu a própria política. Será péssimo se, por motivos diversos, Congresso e STF tomarem, agora, direções contrárias ao que representa a Lava-Jato.