quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Há 25 anos, Miles Davis colocou o jazz de luto

Luiz Carlos Ferreira - Folha de São Paulo

O dia 28 de setembro de 1991 foi de luto para os apreciadores do jazz moderno. Naquele sábado, aos 65 anos, saia de cena o compositor e trompetista Miles Davis, que ao lado de grandes nomes como, Louis Armstrong (1901-1971), Duke Ellington (1899-1974), Charlie Parker (1920-1955) e Dizzy Gillespie (1917-1993), figurou como um dos jazzistas mais influentes e inovadores do século passado. Davis estava internado havia pouco mais de um mês no Saint John’s Hospital, em Santa Monica, na Califórnia (EUA), e não resistiu a um misto de infarto, crises respiratórias e pneumonia.
Criador do reverenciado álbum “Kind of Blue” (1959), que redefiniu o jazz naquela virada de década, Miles Davis foi fundamental ao instituir uma nova forma de construção do gênero. Com uma trajetória de quase meio século de música, Davis soube moldar o estilo às novas demandas do mercado da música ao longo de sua trajetória.
Filho de um dentista e de uma professora de música, Miles Dewey Davis Jr. nasceu em 25 de maio de 1926, em Alton, no Estado de Illinois (EUA). Aos 13 anos, teve seu primeiro contato com o trompete, quando ganhou o instrumento de presente do pai.
Capa do disco "Kind of Blue"
Capa do disco “Kind of Blue”
Miles Davis começou a se apresentar no início dos anos 40 em East St. Louis, cidade para onde sua família havia se mudado quando criança. Anos mais tarde, foi estudar na renomada Juilliard School of Music, em Nova York. Mas sua experiência musical naqueles anos foi adquirida dos encontros com os já consagrados Charlie Parker e Dizzy Gillespie, quando protagonizaram em meados dos anos 40 a chegada do bebop, um jeito mais sofisticado e complexo de fazer jazz. Esse período coincidiu com o sepultamento do swing, uma vertente dançante do gênero.
Entre 1949 e 1950, com o pianista e arranjador Gil Evans (1912-1988), Davis lidera as gravações de Birth of the Cool, álbum que deu origem ao cool jazz, uma variante lírica e introspectiva do gênero, e principal influência para a criação da Bossa Nova.
Durante os anos 50, além de “Kind of Blue”, tido pela crítica como uma das produções mais relevantes da história do jazz, Miles Davis lançou ainda álbuns como “Conception” (1951) e “Walkin’”(1954), ambos com a participação de Stan Getz (1927-1991). Em 1956, concebeu “Round About Midnight“, que contou com o então principiante e desconhecido John Coltrane.
No final dos anos 60, a trajetória de Miles Davis foi marcada pelo surgimento do que ficou conhecido como jazz fusion, com o lançamento do polêmico Bitches Brew (1970), disco duplo gravado em 1969, ano em que o músico radicalizou ao fundir o jazz com outros estilos musicais como o rock, o soul e o funk. Essa nova vertente eletrificada do jazz, com guitarra, baixo elétrico e percussão, já era sinalizada nos três álbuns anteriores: “Miles in the Sky”, “Filles de Kilimanjaro” (ambos de 1968) e “In a Silent Way” (1969). Criticado pelos ouvintes mais puritanos, o álbum serviu de referência para as bandas de rock progressivo, que começavam a surgir naqueles anos. Outro destaque da década foi a descoberta do jovem pianista Herbie Hancock, que em 1963, a convite de Davis, passou a integrar o seu quinteto.
Miles Davis chega no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para três apresentações no Teatro Municipal (Crédito: 28.mai.1974/Acervo UH/Folhapres
Miles Davis desembarca em Congonhas, em São Paulo, para shows no Teatro Municipal (Crédito: 28.mai.1974/Acervo UH/Folhapres)
NO BRASIL
Miles Davis esteve pela primeira vez no Brasil em 1974, quando se apresentou no Teatro Municipal do Rio e de São Paulo. Foram cinco shows entre os meses de maio e junho. Dois anos depois, debilitado pelo uso excessivo de heroína, ficou durante cinco anos sem pisar nos palcos, retornando apenas em 1981 com o disco “The Man with de Horn”.
Em 1985, a inquetude o leva ao lançamento de “You’re Under Arrest”, onde, em mais um momento de experimentações, interpreta as canções “Human Nature” –sucesso na voz de Michael Jackson– e “Time After Time”, de Cyndi Lauper.
Miles Davis se apresenta no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo (Crédito: Vidal Cavalcante - 15.set.1986/Folhapress)
Miles Davis se apresenta no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo (Crédito: Vidal Cavalcante – 15.set.1986/Folhapress)
No ano seguinte, após 12 anos, Davis retorna ao Brasil pela segunda e última vez para uma apresentação no Palácio das Convenções do Anhembi. Uma terceira vinda ao país, para a edição de 1988 do Free Jazz Festival, foi cancelada por razão de uma pneumonia.
Em entrevista cedida ao jornal francês “Le Monde”, em junho de 1991, Miles Davis declarou que pretendia se aposentar no ano seguinte, mas o destino não permitiu. Entretanto o músico ainda teve tempo de fundir o jazz ao hip hop, com o lançamento póstumo do álbum “Doo-Bop” (1992),  em parceria com o produtor Easy Mo Bee, abrindo assim mais um caminho no cenário musical daqueles anos.
Nos 20 anos de sua morte, em 2011, o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) trouxe para o Rio a exposição “We Want Miles”, onde, além de expor instrumentos, fotografias e objetos pessoais do músico, também mostrou o lado pintor do Picasso do Jazz, como também era chamado. A mostra também foi realizada em São Paulo, no Sesc Pinheiros.
Outro presente para os fãs foi o lançamento em abril deste ano do filme “Miles Ahead“, protagonizado e dirigido pelo ator americano Don Cheadle. O filme é ambientado na segunda metade dos anos 70, período em que o músico passava por sérios problemas de saúde, e tentava derrotar a sua maior inimiga, a heroína.