Fisco vai apertar o cerco; técnicos suspeitam de mudanças fictícias
A Receita Federal detectou um salto no número de pessoas que desistiram de ter domicílio fiscal no Brasil, transferindo as obrigações tributárias para outros países. Esse aumento coincide com a entrada em vigor da Lei de Repatriação, encaminhada em 2015 e aprovada este ano, que criou incentivos para brasileiros regularizarem bens e dinheiro no exterior já que, a partir do ano que vem, a entrada em vigor de um tratado internacional, assinado pelo Brasil e mais de 100 países, vai facilitar a fiscalização desses recursos.
O número de declarações de saída definitiva entregues, segundo os dados mais recentes, obtidos pelo GLOBO, subiu 67%, de 11.584 em 2014 para 19.377 entre janeiro e 11 de setembro de 2016. Técnicos da Receita já detectaram que parte dessa alta é de contribuintes que tentam se livrar da tributação. Mas crise econômica, segundo a Receita e advogados tributaristas, também é forte motivo para a saída de brasileiros para o exterior.
— Tem casos de pessoas que estão vendendo patrimônio no Brasil e saindo, parte delas saindo de forma fictícia — afirma um técnico da Receita, acrescentando que o Fisco está mobilizado para rastrear casos falsos de troca de domicílio fiscal.
— Essas pessoas serão fiscalizadas, e os processos, enviados ao Ministério Público. Podem ser enquadradas em lavagem, um outro tipo de crime, que acrescenta até 10 anos à pena.
Para Raquel Preto, especialista em Direito Tributário, sair do país para escapar à tributação é uma péssima ideia. A Justiça brasileira pode remeter para a Justiça de outros países a execução da dívida. De acordo com Raquel, cerca de um quinto dos seus clientes que têm recursos não declarados lá fora cogita sair do país para fugir do Fisco:
— Mas a grande maioria das pessoas que estão saindo do país se cansou da violência, da crise, da instabilidade política. O aumento da saída tem acontecido nos últimos anos, não só agora.
O advogado Guilherme Domingues, do escritório Schreiber, Domingues, Cintra Lins e Silva Advogados, que cuida de mais de 40 casos de repatriação, acredita que as pessoas que estão saindo do país por causa da lei confiam que a troca de informações prevista no tratado assinado pelo Brasil valerá só a partir de 2017. Já estando no exterior, o contribuinte ficaria livre, pois não teria domicílio fiscal no Brasil e não teria como ter enviado recursos do Brasil para o exterior naquele ano. Para Antonio Gil Franco, da Ernst Young, pode ser uma tentativa de impedir que o patrimônio seja bloqueado:
— Essas pessoas se mudam e vão gastar o dinheiro delas lá fora porque aqui correm o risco de terem os bens no exterior bloqueados.
BANCOS ESTÃO EXIGINDO REGULARIZAÇÃO
Mas ele acredita que a maior parte das declarações de saída do país seja motivada pela recessão.
Segundo fontes que acompanham o setor, mas não quiseram se identificar, bancos estrangeiros e brasileiros com atuação no exterior têm enviado cartas a clientes informando da necessidade de aproveitar a chance de regularização. Entre as instituições estariam Bank of America Merrill Lynch, BTG Pactual, BNP Paribas, Credit Suisse e Bradesco.
Leonardo Antonelli, presidente da Comissão de Defesa do Jurisdicionado da OAB, diz que os bancos estão exigindo que clientes façam a adesão ao programa de repatriação, sob pena de congelamento dos recursos e posterior encerramento da conta:
— Há casos de bancos que se negam a fazer o câmbio e a remessa. Se um contribuinte não adere à repatriação, existe indício de que o recurso seja ilícito. Isso pode gerar graves repercussões para a banco, principalmente se ficar comprovado que o gestor sabia da origem do dinheiro.
Maria Eugênia Lopez, diretora executiva do segmento Private do Santander, afirmou que o banco tem feito abordagens durante visitas:
— Listamos os clientes com necessidade de regularização de recursos pessoalmente. A procura pela anistia aumentou, mas esperávamos adesão maior.
Outros bancos, conta Domingues, também têm enviado carta a clientes brasileiros:
— São casos de contas de menor valor.
Clientes de bancos suíços e dos EUA, conta Felipe Coelho, da Ernst Young, estão recebendo cartas semelhantes. Os demais bancos, procurados, não se manifestaram.