segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Celso de Mello: Sociedade não admite convivência ‘com marginais da República’. Lula estava ao lado...


O decano do STF, ministro Celso de Mello - Andre Coelho / Agência O Globo

André de Souza - O Globo



Decano discursa contra a corrupção na cerimônia de posse da nova presidente do STF, da qual participaram Renan, Lobão e Lula


Na cerimônia de posse da nova presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, o ministro Celso de Mello, o mais antigo integrante da corte, fez um discurso contra a corrupção. Citando o ex-presidente da Câmara Ulysses Guimarães, Celso disse que "não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube" é o primeiro fundamento da moral pública. Ao longo do discurso, ele também usou palavras fortes, como "delinquência governamental" e "marginais da República".

Participaram da cerimônia alguns investigados da Operação Lava-Jato, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o ex-presidente Lula e o senador Edison Lobão. 

O ministro não chegou a citá-los, mas fez referências à Lava-Jato, embora sem mencionar o nome da operação.

"A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública", disse Ulysses Guimarães ao encerrar os trabalhos da Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição de 1988. Essas palavras foram repetidas por Celso de Mello nesta segunda-feira.

— Fatos notórios veiculados pelos meios de comunicação social, geradores de justa indignação popular, resultantes de investigações promovidas por órgãos incumbidos da persecução penal, revelariam que se formou, em passado recente, no âmago do aparelho estatal e nas diversas esferas governamentais da Federação, uma estranha e perigosa aliança entre determinados setores do Poder Público, de um lado, e agentes empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício com o objetivo ousado, perverso e ilícito de cometer uma pluralidade de delitos profundamente vulneradores do ordenamento jurídico instituído pelo Estado brasileiro — afirmou o ministro.

Celso citou a existência de delinquência governamental.

— Tais práticas delituosas – que tanto afetam a estabilidade e a segurança da sociedade, ainda mais quando perpetradas por intermédio de organizações criminosas – enfraquecem as instituições, corrompem os valores da democracia, da ética e da justiça e comprometem a própria sustentabilidade do Estado Democrático de Direito, notadamente nos casos em que os desígnios dos agentes envolvidos guardam homogeneidade, eis que dirigidos, em contexto de criminalidade organizada e de delinquência governamental, a um fim comum, consistente na obtenção, à margem das leis da República, de inadmissíveis vantagens e de benefícios de ordem pessoal, ou de caráter empresarial, ou, ainda, de natureza político-partidária — afirmou o ministro.

Em um discurso recheado de palavras fortes, o decano também falou em "marginais da República".

— Mostra-se intolerável, desse modo, Senhora Presidente, em face da ação predatória desses verdadeiros profanadores dos valores republicanos, transigir em torno de princípios fundamentais que repudiam práticas desonestas de poder, pois elas deformam o sentido democrático das instituições e conspurcam a exigência de probidade inerente a um regime de governo e a uma sociedade que não admitem nem podem permitir a convivência, na intimidade do poder, com os marginais da República, cuja atuação criminosa tem o efeito deletério de subverter a dignidade da função política e da própria atividade governamental, degradando-as ao plano subalterno da delinquência institucional e transformando-as em um meio desprezível de enriquecimento ilícito — disse o ministro.

O ministro também destacou que a posse de Cármen Lúcia é um marco da ascensão das mulheres no Brasil, falando em “momento histórico”.

— Não creio que palavras possam descrever, adequadamente, o alto significado que este momento histórico representa não só na existência do Supremo Tribunal Federal, mas, sobretudo, na vida de nosso povo e na história das mulheres brasileiras, cujo esforço, talento e valor têm contribuído, de modo decisivo, para tornar o Brasil um país mais digno, mais justo, mais forte, mais consciente de sua importância e mais aberto a todos, sem exclusões, sem discriminações e sem intolerâncias — disse Celso

O ministro citou alguns votos importantes de Cármen, como na liberação das biografia não autorizadas, das pesquisas com células-tronco embrionárias, da união civil homoafetiva, e da lei da ficha limpa, ou na proibição da importação de pneus usados.

— Essa simples rememoração de alguns dos brilhantes votos da eminente Ministra Cármen Lúcia mostra-se suficiente para revelar os seus elevados compromissos com o nosso País, com a preservação da supremacia da Constituição e das leis da República e com o respeito indeclinável ao interesse público — disse Celso.