segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Cármen Lúcia quebra protocolo e cumprimenta ‘Sua Excelência , o Povo’ à frente de Temer em discurso


Cármen Lúcia assina compromisso de posse - Carlos Humberto/STF


O Globo


Ministra do STF toma posse no cargo de presidente pelos próximos dois anos


Empossada presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia iniciou sua participação na cerimônia desta segunda-feira com um pedido de licença para quebrar protocolo. Ao cumprimentar primeiro não a maior autoridade presente, o presidente Michel Temer, mas "Sua Excelência, o povo". Depois foi a vez das pessoas que recorrem ao Judiciário, e só depois as autoridades presentes.

— Cumprimento o jurisdicionado, aquele que procura o Judiciário na luta pelos seus direitos. Com ele me comprometo, como acho que é o compromisso de todos nós do Supremo Tribunal Federal, firme e fielmente, estejam certos todos os cidadãos do país, a trabalhar até o limite de nossas forças e de nossa capacidade para que a jurisdição seja devidamente prestada e prestada para todos — afirmou a ministra.

Em seu discurso, Cármen Lúcia reconheceu que o Judiciário brasileiro não atende as expectativas da população e, mais do que uma reforma, precisa passar por transformação. Ela destacou que a Justiça precisa ser mais rápida e afirmou que, além do povo, os próprios juízes não estão satisfeitos com o Judiciário hoje.

— O Judiciário brasileiro reclama mudanças e a cidadania exige satisfação de seus direitos, como a Constituição lhe assegurou. Estamos promovendo mudanças. E é preciso que elas continuem, cada vez com mais pressa, diminuindo o tempo de duração dos processos, sem perda das garantias do devido processo legal, do amplo direito de defesa, garantia do contraditório, mas com processos que tenham começo, meio e fim, e não se eternizem em prateleiras emboloradas que empoeiram as esperanças de convivência justa — disse Cármen Lúcia.

Apesar dos problemas elencados, a ministra ressaltou a necessidade da Justiça na vida dos cidadãos.

— Sem justiça, sobra força de uma pessoa sobre a outra, a violência pessoal que não respeita o que de humano distingue o homem de outras espécies — disse a presidente do STF.

Ela agradeceu seu antecessor no cargo, o ministro Ricardo Lewandowski, disse que o país passa por tempos tormentosos e citou até mesmo a banda de rock Titãs.

— Como na fala do poeta da música popular brasileira, ninguém quer só comida, a gente quer comida, mas também diversão e arte — afirmou a ministra.

AUTORIDADES INVESTIGADAS NA PLATEIA


O ministro Dias Toffoli será o vice, em um mandato de dois anos de duração. Entre os presentes ao evento estavam o presidente Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Renan tem hoje dez inquéritos abertos no STF, entre investigações da Lava-Jato, da Zelotes e de outros temas.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também responde a um um inquérito no STF por conta da Operação Lava-Jato, também compareceu. Ele foi o responsável pela nomeação de Cármen Lúcia para uma das onze cadeiras do tribunal, em 2006. Desde que deixou a presidência da República, em 2010, Lula não havia sido visto no STF. Outro investigado na Lava-Jato que fez questão de comparecer à posse foi o senador Edison Lobão (PMDB-MA). O ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), também foi cumprimentar Cármen. Ele é investigado na Operação Zelotes, em um processo relatado pela ministra.

Logo no início da cerimônia, Caetano Veloso cantou o hino nacional e tocou a música no violão, sentado em um banquinho, no plenário do tribunal. Arrancou aplausos efusivos dos presentes.

O mais antigo integrante da corte, o ministro Celso de Mello, fez um discurso forte contra a corrupção, que ganhou repersussão nas redes sociais. Citando o ex-presidente da Câmara Ulysses Guimarães, Celso disse que "não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube" é o primeiro fundamento da moral pública. Ao longo do discurso, ele também usou palavras fortes, como "delinquência governamental" e "marginais da República". 

"A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública", disse Ulysses Guimarães ao encerrar os trabalhos da Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição de 1988. Essas palavras foram repetidas por Celso de Mello nesta segunda-feira.

Antes da cerimônia começar, o ministro Luiz Fux disse que Cármen Lúcia, não deverá insistir no reajuste salarial dos integrantes do tribunal. O aumento implicaria em aumentos nas folhas de pagamento de todos os juízes do país – e, por isso, o presidente Michel Temer declarou-se contrário ao benefício.

— Acho que ela vai ser solidária com o governo diante dessa crise financeira, vai ser uma chefe de poder bem solidária com o governo nesse particular. Isso vai estar dentro da linha de coerência dela. Como ela é preocupada com a garantia da governabilidade, esse posicionamento é coerente com o que ela pensa. Muito embora ela respeite os pleitos das associações, ela entende que, no momento, o Brasil não está em uma fase boa para a concessão de aumentos — declarou Fux.

Também participaram da cerimônia os dois advogados-gerais da União no governo de Dilma Rousseff, Luís Inácio Adams e José Eduardo Cardozo, além do ministro das Relações Exteriores, José Serra. Ainda no rol de autoridades, estão no STF os governadores do Piauí, Wellington Dias; de São Paulo, Geraldo Alckmin; do Mato Grosso, Pedro Taques; do Maranhão, Flávio Dino; e de Minas Gerais, Fernando Pimentel. Ainda compareceram os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Eunício Oliveira (PMDB-CE), José Pimentel (PT-CE), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e José Agripino (DEM-RN).

Para a posse, na sede do STF, foram convidadas cerca de duas mil pessoas, entre as quais vários padres. Cármen Lúcia não quis que fosse organizada a tradicional festa em homenagem ao novo presidente, geralmente custeada por associações jurídicas.