Numa esquina de São Mateus, bairro no extremo leste de São Paulo, Francisco Juarez da Silva, de 61 anos, conversava com a reportagem sobre as eleições municipais quando interrompe a fala, olha rapidamente para a TV de plasma pendurada na parede e exclama, em tom desiludido:
- Olha aí! E não é que já pegaram ele?
Dono de um típico boteco de periferia, com um amplo balcão e banquetas de plástico na frente, seu Francisco apontava para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja imagem aparecia em sua televisão, ligada no canal de notícias da TV a cabo GloboNews. No dia anterior, Lula se tornara réu pela segunda vez nas investigações da Operação Lava Jato e, por isso, era destaque no noticiário.
- Você vê a situação que nosso país chegou por causa de nossos governantes? É muita gente sem trabalho. Essa ladroeira. Não é só culpa de um partido, é de todos. É tudo farinha do mesmo saco. O Lula, um homem de onde ele veio, que chegou onde chegou, envolvido nisso?, indigna-se.
Eleitor histórico do PT, o comerciante, que votou no prefeito Fernando Haddadhá quatro anos, diz que não pretende comparecer às urnas no próximo domingo. Prefere justificar sua ausência para a Justiça Eleitoral depois, para "não passar mais raiva votando". Sentado numa das banquetas, o mecânico Enivan José Silva diz que vai optar pelo candidato tucano João Doria. Quer dar "uma chance a um candidato novo, que não é político."
Em uma campanha feita em meio a uma crise econômica, que alavancou o desemprego no país, e inserida em um escândalo de corrupção que arrastou, especialmente, a imagem do Partido dos Trabalhadores, a periferia, antes reduto incontestável da legenda de Lula, está desiludida. Nos bairros mais pobres de São Paulo, achar alguém que apertará o 13 de Haddad no próximo domingo não é uma missão fácil. O petista, que venceu há quatro anos pelo bom desempenho nas franjas da cidade, corre por fora da disputa também nestes locais, o que se torna um problema para um partido que nunca teve bom desempenho entre a classe média tradicional das regiões centrais. Nas áreas pobres, a disputa se dá entre Marta Suplicy (PMDB), Celso Russomanno (PRB) e, agora, também entre João Doria, milionário administrador de empresas que alavancou na reta final e já ocupa o terceiro lugar entre os eleitores mais pobres -na cidade toda, é o primeiro colocado.
"Estou em dúvida entre Russomanno e Marta", dizia o aposentado Antonio de Melo, de 60 anos, também morador no extremo leste da cidade. “Russomanno é mais novo na política, defende o consumidor [em seu programa na TV]. Marta já foi prefeita e fez coisa pelos pobres", explicava ele.
As falas refletem a última pesquisa Datafolha, divulgada em 22 de setembro. Ela aponta que entre os que ganham até dois salários mínimos Russomanno arrebata 31% dos votos. Marta é a escolha de 23% dessas pessoas, enquanto Doria consegue ser preferência de 16% dos mais pobres. Haddad, que há quatro anos, nas vésperas do primeiro turno, era a escolha de 21% dos que ganhavam até dois salários mínimos, agora só deve ganhar o voto de 7% deles e é rejeitado por 40% – na cidade, ele aparece com 10% das intenções de voto e uma rejeição de 45%. Em áreas como o extremo leste, o desempenho petista é ainda mais baixo: ele tem 5% das intenções de voto, enquanto se sai melhor em regiões como o centro e a zona oeste (em ambas tem 18%), apontou a pesquisa.
Há quatro anos, Haddad era desconhecido de grande parte da população, mas aparecia na campanha abraçado a Lula, seu padrinho político que, agora, tem a imagem desgastada. Diante da falta de repasses do Governo federal e da crise econômica, o atual prefeito falhou em deixar marcas na periferia. Não conseguiu cumprir parte de suas promessas, como os três hospitais e os 20 CEUs (misto de escola com área de lazer), uma marca da gestão Marta Suplicy – entregou um hospital, os outros estão em obras; inaugurou um CEU e outros 15 devem ser entregues no ano que vem.
"Haddad já não tem uma identificação de carisma com os mais pobres, da mesma forma que Marta. Mas a Marta tem um governo com marcas entre os mais pobres. Toda a política urbana que serve de vitrine para o Haddad agrada apenas o eleitorado que gostaria de morar em Berlim. Mas a periferia não conhece Berlim, não quer morar lá", analisa Roberto Dutra, professor de sociologia da Universidade Estadual do norte Fluminense (Uenf). "Por isso, a disputa dele é com Luiza Erundina, pela esquerda de classe média", ressalta. Uma pesquisa Datafolha publicada neste mês mostrou que Haddad é apontado como o segundo candidato que mais defenderá ricos, se eleito.
Para Dutra, enquanto Marta se beneficia na periferia pelo legado de sua gestão passada, Russomanno se beneficia de sua ligação com os evangélicos da Igreja Universal, por meio do partido PRB. "Não podemos ignorar a força da máquina da Universal entre os mais pobres. Ele é resultado de um processo de construção de imagem, que tem relação com a TV, onde ele aparece como o defensor do consumidor contra as empresas, e com a igreja", destaca.
"Na eleição passada, Russomanno já havia pego a periferia, mas caiu no final. Já havia a questão do desgaste do PT de estar no poder [federal] por muito tempo e também a queda do ritmo do crescimento econômico, que em São Paulo já acontecia", ressalta o professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Limongi. “Há um desencanto com o PT por causa da eleição de 2014, em que Dilma Rousseff dizia que não havia crise econômica, mas quando mal se fechou as urnas a crise pegou pesado", explica o professor, para quem a questão do envolvimento do partido com a corrupção serve para fechar a conta da insatisfação. "O que o eleitor quer mesmo é renda, crescimento econômico. A questão da corrupção é menos importante. É como se a pessoa que já está abandonando o PT usasse isso como reforço de uma posição que já está tomada", acredita.