terça-feira, 24 de maio de 2016

Para economistas, governo acerta ao ajustar gastos e racionalizar recursos


Daiane Costa e Rennan Setti - O Globo


As medidas anunciadas nesta terça-feira pelo presidente interino Michel Temer, para tentar conter o crescimento dos gastos públicos e retomar o crescimento da economia brasileira agradaram economistas ouvidos pelo GLOBO. Os especialistas consultados sustentam que a decisão de não anunciar aumento de impostos foi importante. Segundo Alvaro Bandeira, do Modal Mais, o governo “precisa mostrar primeiro que ele está interessado em cortar no lado dele”.

Na avaliação de José Luis Oureiro, economista da UFRJ, iniciar o ajuste pelas despesas foi o maior acerto do governo:

— Houve coerência com o discurso que o governo vinha fazendo, de não propor impostos antes de ajustar gastos. O governo teve um bom “timing” político, pois a mensagem foi: primeiro eu estou fazendo a minha parte para só depois falar em mais impostos. Pois é claro que o governo vai precisar de receitas extraordinárias — avaliou.

Bandeira, no entanto, não descarta a possibilidade de ampliar a carga tributária no futuro.

— Depois, acredito que não vai ter como escapar de um aumento da carga, pela gravidade fiscal.
Para Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC, o governo acertou tanto na definição das medidas quanto na forma de comunicação:

— Foram medidas de racionalização de recursos acertadas, inclusive em sua forma de apresentação, liderada pelo Temer, que deu um peso institucional elas, e na presença dos líderes dos partidos, diferente do que ocorria no governo Dilma, que enviava diretamente ao Congresso.

Segundo Bandeira, do Modal Mais, o passo tomado pelas autoridades “vai na direção correta” e serviu como “largada importante para o governo”.

— O teto para o crescimento das despesas é fundamental, por exemplo, com a única ressalva de que isso tem o potencial de indexar a economia. Quanto ao fundo soberano, na minha opinião, ele sequer deveria existir, então o uso desses recursos é uma estratégia interessante — afirmou Álvaro Bandeira, ponderando, porém, que o mercado financeiro ainda guarda certa cautela com o que foi anunciado. — Agora temos que ver como tudo isso será votado no congresso, se o plano vai ser descaracterizado ou não. Isso é um risco e, junto com a reação dos investidores na ação do BB, pode ter mascarado na Bolsa a boa avaliação geral das medidas.

Leal pondera, no entanto, que a limitação dos gastos públicos — proposta que precisa ser encaminhada ao Congresso —, pode ter mais dificuldades de ser aprovada porque haverá questionamentos sobre possíveis impactos nos recursos para áreas essenciais como saúde e educação. Por outro lado, o economista destacou que parte das medidas, como o uso do Fundo Soberano e a antecipação da dívida do BNDES, não dependem de aprovação do Congresso, então podem ter efeito mais rápido. Já a proposta de flexibilização da participação obrigatória da Petrobras na exploração do pré-sal e da lei de responsabilidade fiscal de estatais e fundos de pensão — que dependem da aprovação do Legislativo — já têm projetos encaminhados.

— São medidas que ajudam na transição e diminuem a necessidade de aumento da arrecadação via impostos. O governo está seguindo o “script” que eles mesmos prescreveram. Primeiro medidas menos polêmicas, de contenção de gastos — afirma Leal.

Oureiro diz que redução do papel do BNDES no financiamento de investimentos já era previsto, tendo em vista que as operações têm contribuído para aumentar o gasto público. No entanto, ele avalia que o banco terá dificuldades de antecipar a devolução do valor total proposto por Temer, que são R$ 100 bilhões:

— Primeiro, o BNDES não tem caixa para isso. Segundo, ele concede empréstimos em longo prazo por meio de contrato. Não tem como antecipar essa cobrança para fazer caixa. Ele até pode deixar de renovar os empréstimos para capital de giro, cujo pagamento é em até um ano. Mas, como isso, colocaria a saúde financeira de empresas em risco, pois elas não têm como se financiar nos bancos privados, que têm juros três vezes maiores — aponta.

Bandeira observou que a falta de detalhes sobre a reforma da Previdência ou da menção a novos impostos não foram pontos negativos:

— Já estava mais ou menos acertado de que as mudanças (no sistema previdenciário) vão requerer diálogo com sociedade para que não provoque traumas. Logo, embora esse problema precise ser tratado, não esperávamos nenhum anúncio concreto sobre isso.