segunda-feira, 30 de maio de 2016

Luiz Felipe Pondé: "A vida secreta do desejo"

Folha de São Paulo


Sempre que toco no tema do amor romântico, muitos leitores se manifestam. Ao contrário do que parece, muita gente se sente afetada por essa questão. A primeira pergunta que me fazem é: "Você crê no amor romântico?". A resposta é sim. Mas, como os medievais, não creio que seja uma experiência universal e acho que é uma doença encantadora e, por isso mesmo, perigosa.

Mas volto ao assunto hoje devido a uma questão específica que toquei na minha coluna de 16 de maio último ("A doença do amor"), em que discutia alguns especialistas no tema do amor cortês (ou romântico). E acho essa questão muito importante, porque ela incide sobre uma compreensão errônea comum em nossa época da relação entre desejo e maturidade.

A questão é a seguinte: as pessoas mais maduras tendem a descrer no amor romântico, enquanto as mais jovens estão mais propensas a viver essa forma de amor?

As explicações comuns para isso seriam a pouca idade e experiência de vida (como digo na coluna de 16 de maio), que levariam os mais jovens aos delírios amorosos. 

A favor dessa hipótese está a costumeira afirmação de que Romeu e Julieta teriam no máximo 15 anos de idade. Ou que, na Idade Média, berço da literatura romântica, os homens e mulheres morriam com 30 anos e, portanto, os personagens da literatura cortês não passavam dos 15 anos de idade de novo.

E aí voltamos ao argumento comum de que só jovem crê nessas coisas porque não entende a vida como ela é. Mas o erro está na ideia de que, na Idade Média, pessoas de 15 anos eram "jovens".

"Jovem" é um conceito criado para descrever alguém que não precisa obedecer aos pais como as crianças devem fazê-lo, mas que, ao mesmo tempo, são livres para fazer o que quiserem, sem o peso da responsabilidade dos adultos. "Jovem" é uma das primeiras invenções do enriquecimento do mundo devido a sociedade de mercado. Logo, na Idade Média, não existia "jovem".

Para entender a literatura de amor cortês, você deve pensar o seguinte: o amor romântico só podia acometer pessoas que carregavam responsabilidades e interdições.

Portanto, se transferirmos os pressupostos da dramaturgia medieval para hoje, época em que homens raramente morrem em batalhas e mulheres estão em conventos, o que se revela como o coração do drama são as interdições morais: as vítimas são casadas e carregam responsabilidades da vida adulta.

Qual é a conclusão então da relação entre idade e amor romântico? A conclusão é de que um jovem de hoje dificilmente viveria o amor romântico tal como foi descrito na Idade Média. Mas homens e mulheres adultos, casados, com filhos e responsabilidades profissionais e sociais, são os verdadeiros candidatos à doença do amor hoje.

Por isso, são os mais maduros que estão a mercê desse flagelo, e não os mais jovens, que, costumeiramente, não têm quase nenhuma responsabilidade determinante em suas vidas.

O "amor fora de lugar" ocorre como um desejo que não pode se realizar plenamente devido a uma estrutura moral que lhe precede. A condenação do desejo implica em sua piora como "pressão", que nunca cessa de se manifestar, corroendo o cotidiano dessa estrutura que lhe precede. O amor romântico só existe quando os amantes não podem vivê-lo porque para isso destruiriam a própria vida e de outras pessoas que não mereciam sofrer.

O erro da associação do amor romântico à idade "jovem" é a não percepção, típica de nossa época, da lógica do desejo em questão.

Perdemos a capacidade de desejar na medida em que declaramos que "é proibido proibir". Os jovens logo deixarão de desejar.

E, aqui, chegamos a outra incompreensão decorrente dessa: entendemos pouco do amor romântico porque esvaziamos nossa cultura da noção de conflito entre desejo e virtude como um dos motores essenciais do drama moral humano. O drama romântico pressupõe o desejo encantador acompanhado da terrível experiência da culpa. Só os olhos vidrados de culpa enxergam o combate entre desejo e virtude na alma.

A vida secreta do desejo é esse desespero que, na mesma medida em que encanta, destrói.