Serviços de inteligência poderão grampear suspeitos de
terrorismo sem consentimento de juiz
A França aprovou nesta quarta-feira uma controversa lei que visa ampliar a vigilância de suspeitos de atos de terrorismo. Defendida pelo presidente François Hollande em nome da luta contra o extremismo, a nova lei dos serviços de inteligência foi votada em caráter definitivo e será promulgada pelo governo. Proposta em 2014, o governo acelerou a sua aprovação após os atentados que deixaram dezessete mortos entre 7 e 9 de janeiro em Paris, o pior deles contra a sede do semanário Charlie Hebdo. Segundo o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, a lei ditará a atividade dos serviços de segurança e permitirá que eles sejam "mais eficazes diante da ameaça terrorista" e "na luta contra a criminalidade e a espionagem econômica".
A votação, contudo, ocorreu em um momento delicado para o governo francês. Documentos vazados pelo site WikiLeaks, do hacker Julian Assange, provaram na terça-feira que os Estados Unidosespionaram três presidentes da França e outros funcionários do governo entre 2006 e 2012. Os chefes de Estado monitorados foram Jacques Chirac (1995-2007), Nicola Sarkozy (2007-2012) e Hollande, atual mandatário que iniciou seu governo em maio de 2012. Foram espionadas comunicações internas que, entre outros assuntos, abordavam a crise mundial, o colapso financeiro da Grécia e o relacionamento da administração de Hollande com o governo alemão de Angela Merkel.
A lei não entrará em vigor até que a Justiça decida se a medida está de acordo com a Constituição da França. Entre as medidas que constam no texto está a autorização para que os serviços de inteligência coloquem aparelhos de gravação em casas de suspeitos e em seus carros sem o consentimento prévio de um juiz. Ela também irá obrigar as companhias de comunicações e internet a instalar caixas eletrônicas que gravam informações de todos os usuários da rede de computadores na França.
Aproximadamente 100 parlamentares contrários ao texto pretendem apresentar um recurso para barrar a sua promulgação. Também criticam a lei associações de defesa dos direitos humanos, magistrados, meios de comunicação, sindicatos de jornalistas, agentes da indústria digital e políticos de todo espectro. Em nível internacional, o projeto também despertou a inquietação do Conselho Europeu e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.
Um ponto específico da medida centraliza a preocupação dos opositores a ela. A adoção, nas redes das operadoras de telefonia, de instrumentos de análise automática para detectar, por meio de "uma sucessão suspeita de dados de conexão", o perfil de pessoas que possam ser "uma ameaça terrorista". Esses dispositivos coletariam apenas os metadados, e não o conteúdo das comunicações. Mas críticos dizem que eles funcionarão como "caixas-pretas" - em comparação aos métodos de "vigilância generalizada" da NSA. "Nós nos colocamos em posição de analisar tudo, de grampear qualquer um, em uma sociedade obcecada pelo terrorismo. É o caso dos Estados Unidos após o 11 de setembro e será o caso da França após o 7 de janeiro com a implantação da lei de vigilância", denunciou o jornalLibération.
(Com Estadão Conteúdo e agência France-Presse)