domingo, 14 de junho de 2015

"Eles venceram?", por Sílvia Corrêa

Folha de São Paulo


O assunto ganhou a capa da "Veja" na semana passada. "Ok, vocês venceram!", dizia a chamada da revista, acompanhada da foto de três bebês: um humano e dois caninos.

O ponto central da reportagem era o resultado obtido pelo IBGE com a inclusão de uma questão na Pesquisa Nacional de Saúde. O instituto descobriu que já havia 52 milhões de cães domiciliados no país em 2013, ano do levantamento, que só teve os dados divulgados agora.

É um cachorro para cada 3,8 pessoas. Estamos atrás apenas dos Estados Unidos, com 72,4 milhões de cães. E muito à frente da China, o terceiro colocado do ranking, com 27,7 milhões. Em 2013, os cães brasileiros já eram mais numerosos do que as crianças com até 14 anos no país.


Ilustração Tiago Elcerdo
#ARSAO1406 BICHOS


O número parece surpresa para o próprio mercado pet. Em 2009, em uma capa semelhante, a "Veja" estampava: "Eles venceram". Na reportagem, a Anfal Pet (associação dos fabricantes de ração) dizia haver 32 milhões de cães nos lares do Brasil.

Quatro anos separam os dois dados. No período, ou o número de cães nas famílias aumentou 62% ou eles já são há anos mais numerosos do que o próprio mercado imaginava –o que parece bem mais provável.

Não há dúvida de que cães e gatos são tratados como filhos em muitos lares do país. Têm higiene, roupas, medicamentos e tudo mais de útil ou inútil. Mas a distância entre a estimativa dos fabricantes de ração e os dados do IBGE mostra que essa não é uma realidade para todos.

Os tímidos dados da indústria já indicavam que 40% dos cães brasileiros não comiam ração e só 30% eram vacinados. Com os milhões deles que surgiram nas casas visitadas pelo IBGE, os animais alimentados com restos de comida parecem ser ainda mais numerosos. E a cobertura vacinal parece estar ainda mais precária.

Ao que tudo indica, vivemos em um país de cães-fantasmas, que não consomem e não recebem tratamentos preventivos de saúde. E isso, nem de longe, é motivo para comemoração. Por enquanto, se eles venceram, foi apenas em número.