Manifestações contra o consórcio de poder liderado por Alexandre de Moraes despertam o Congresso e mostram que a reação às arbitrariedades do governo e do Judiciário começa nas ruas
Manifestação na Avenida Paulista contra a censura e em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro | Foto: Uiliam Grizafis/Revista Oeste
P ela primeira vez na história do Brasil, um ministro do Supremo Tribunal Federal mergulhou a Nação numa crise institucional, prendeu um ex-presidente da República na canetada, paralisou o Congresso e foi punido pelo maior país do mundo, os Estados Unidos, por violação de direitos humanos e censura. Alexandre de Moraes só pensa em vingança.
A escalada de fúria do ministro não começou agora, mas se intensificou desde o último domingo, 3, quando as ruas foram tomadas por manifestações com um recado claro: supremo é o povo. O grito de “chega” contra o regime que governa o Brasil espraiou-se por mais de 60 cidades. Diferentemente das outras passeatas ocorridas desde a volta do PT ao poder, desta vez o principal líder da oposição não esteve em cima de um carro de som. No domingo, Jair Bolsonaro já usava uma tornozeleira eletrônica e estava cercado por um novo monstrengo jurídico assinado por Moraes. Havia um nó ininteligível até para os juristas: o ex-presidente poderia se pronunciar, por exemplo, desde que ninguém publicasse o conteúdo nas redes sociais — o que é impossível desde a invenção do smartphone, num país que tem mais aparelhos celulares do que habitantes. Ou ele seria preso pela ação de terceiros.
Foi o que aconteceu. O filho mais velho, senador Flávio Bolsonaro, exibiu imagens do ex-presidente em casa, acompanhando os atos pelo país; depois, o deputado Nikolas Ferreira fez o mesmo na Avenida Paulista. No dia seguinte, Moraes determinou a prisão domiciliar de Bolsonaro para se vingar da onda que se ergueu em praça pública.
Ao dobrar a aposta, como de costume, o ministro deparou-se com um cenário diferente: um sopro de coragem do Congresso Nacional. A pressão feita pela população incendiou o Legislativo, que voltou do recesso na terça-feira. Deputados e senadores de oposição interditaram as Mesas Diretoras das duas Casas. Na Câmara, a paralisação durou 30 horas e teve cena de agressão física — Camila Jara, do PT, deu um soco em Nikolas Ferreira no plenário. A confusão, aliás, só não terminou em pugilato entre os mais exaltados, como o petista Lindbergh Farias, porque dez em dez deputados estavam transmitindo tudo pelas suas redes sociais e havia idosos. A deputada Júlia Zanatta estava com a filha de quatro meses nos braços.
Deputada petista agride Nikolas na Câmara. Representaremos no Conselho de Ética. É inaceitável agressão física no Parlamento. View all 8,387 comments
Num surto autoritário, o presidente da Câmara, Hugo Motta, que já havia tentado levar a sessão para um auditório, enviou a Polícia Legislativa para retirar os parlamentares da sua cadeira à força. Ameaçou suspender mandatos monocraticamente por seis meses, o que não tem amparo no Regimento Interno — existe um rito para avaliar a quebra de decoro, e o caminho sempre passa pela Mesa e pelo Conselho de Ética.
Enquanto a oposição resistia na cadeira, entre troca de empurrões e xingamentos com governistas, o líder do PL, Sóstenes Cavalcanti, caminhou até o gabinete de Arthur Lira, ex-presidente da Casa padrinho político de Motta. Lira já criticou publicamente a prisão de Bolsonaro. De lá, Sóstenes disse ter saído com a promessa de que será pautada a votação do projeto de lei da Anistia pelo tumulto de 8 de janeiro e uma emenda constitucional para acabar com o chamado foro privilegiado de autoridades.
Quando esses dois temas serão votados? Essa é uma resposta difícil, já que Motta enrolou a oposição no semestre passado e até agora não cumpriu os acordos que lhe renderam 444 votos para chefiar a Casa. O apoio maciço do PL lhe assegurou uma vitória sem desgaste. Um dado importante: o argumento usado por ele para retardar a Anistia, de que faltam votos, não se sustenta: por se tratar de um projeto de lei, o número de votos mínimos (257) é alcançável. Uma emenda constitucional precisa atingir 308, em dois turnos.
“Foi construído um acordo de forma transparente para todo o Brasil. O momento do país é gravíssimo, temos o poder Legislativo de cócoras para o Judiciário. Toda essa ocupação feita pelos guerreiros parlamentares tem como objetivo principal a volta das prerrogativas constitucionais do Congresso”. (Sóstenes Cavalcanti, líder do PL na Câmara dos Deputados)
Se o projeto da Anistia passar pela Câmara, segue para o Senado. Trata-se de uma Casa mais engessada e distante da sociedade por uma série de fatores: como os mandatos duram oito anos, vários suplentes estão em exercício; alguns senadores mudaram de lado com o tempo — como Romário e Soraya Thronicke, eleitos pela direita; e pesa ainda a opinião dos atuais governadores. A boa notícia é que são necessários 41 votos. A avaliação da oposição é que, se tomado como parâmetro os que hoje encampam o impeachment de Alexandre de Moraes — uma pauta mais difícil —, o projeto da Anistia avança.
A pressão das ruas no domingo também produziu resultados em relação ao pedido de impeachment de Moraes. Na véspera dos atos pelo país, 34 senadores diziam ser favoráveis; hoje, são 41 — o quórum mínimo para ser aceito, ou “admitido”, no jargão de Brasília. Porém, pautá-lo depende da boa vontade do presidente, Davi Alcolumbre, que faz o jogo do consórcio de poder STF-PT. A aprovação exige 54 votos.
No turbilhão de medidas autoritárias, Moraes ainda mandou instalar uma tornozeleira eletrônica no senador capixaba Marcos do Val. O argumento é que ele descumpriu uma ordem para não sair do país e foi aos Estados Unidos nas férias usando o passaporte diplomático. Em suma: ele comprou briga com a Casa que, se quiser, pode freá-lo.
Isolamento
Nesta semana, outra notícia inesperada bateu à porta do gabinete de Moraes. Depois de mandar prender Bolsonaro, ministros da Corte se queixaram nos bastidores da marcha autoritária. A informação circulou em todas as redações. Oeste noticiou que os colegas de toga classificaram a atitude dele como “precipitada” e alertaram que isso acirraria os ânimos políticos, o que se comprovou no dia seguinte. As manchetes do jornal Folha de S. Paulo e do portal UOL diziam, inclusive, que a prisão poderia ser revista. O colunista Lauro Jardim, de O Globo, deu o nome de dois ministros insatisfeitos: o decano Gilmar Mendes e o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.
Não foi a primeira exposição do incômodo com os arroubos de Moraes na Corte. Os ministros têm resistido em assinar sucessivas notas de apoio a cada decisão intempestiva. Cinco ministros não foram ao jantar em sua homenagem organizado pelo presidente Lula da Silva. Críticas às decisões tomadas à margem da Constituição se tornaram frequentes nos editoriais dos principais jornais do país, o que era impensável até o ano passado.
O furacão que passou em Brasília ainda trouxe o segundo capítulo da chamada Vaza-Toga, os arquivos que mostram o funcionamento de um núcleo de espionagem e punições contra a direita comandado por Moraes (leia a reportagem de Cristyan Costa nesta edição). Mais: Mike Benz, ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, apresentou documentos numa audiência na Câmara de interferência externa nas eleições de 2022. Em suma, disse que foi montada uma rede para “instrumentalizar o controle da informação”, por meio de agências e ONGs, contra a direita. “O objetivo era fortalecer a oposição e censurar os conservadores, principalmente nas redes sociais.”
No caso dos ministros do STF, especialmente Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli — este último por causa da destruição da Lava Jato —, o que os assombra é receber uma sanção dos Estados Unidos, como ocorreu com Moraes. Nesta semana, os principais bancos do país confirmaram que aplicarão os bloqueios da Lei Magnitsky ao togado. Barroso, por exemplo, tem um imóvel em solo americano avaliado em R$ 22 milhões.
O recado já foi dado pela Casa Branca: “Os aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes. Estamos monitorando a situação de perto”.
Embaixada EUA Brasil - O ministro Moraes é o principal arquiteto da censura e perseguição contra Bolsonaro e seus apoiadores. Suas flagrantes violações de direitos humanos resultaram em sanções pela Lei Magnitsky, determinadas pelo presidente Trump. Os aliados de Moraes no Judiciário e em outras Mostrar mais
Senior Official for Public Diplomacy @UnderSecPD Justice Moraes is the key architect of the censorship and persecution complex directed against Bolsonaro and his supporters. Moraes’ flagrant human rights abuses earned him a Global Magnitsky sanction from President Trump. Moraes’ allies on the court and elsewhere are strongly
Gilmar Mendes até tentou sair em defesa do colega numa entrevista. Disse que sua atuação evitou que o país se tornasse um “pântano institucional” por causa de um golpe de Estado que nunca existiu. Não é preciso ser analista político para entender que a crise institucional começa no funcionamento do gabinete da fera que ele alimentou na Corte. Só a pressão popular vai tirar o Brasil desse “pântano”.
Sílvio Navarro - Revista Oeste