sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

J.R. Guzzo - 'A estrada totalitária'

 

Ex-preidiário visita exposição sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasília (9/1/2025) | Foto: Jose Cruz/Agência Brasil 


O regime parece sentir mais do que nunca, neste momento em particular, a necessidade de mentir — não mais como preferência, mas agora como questão básica para manter-se vivo


O regime Lula-STF, para ir direto ao centro do assunto e não ficar gastando o tempo do leitor com esses não-me-toques das mentes civilizadas, tem uma tarefa vital para a execução do único projeto que realmente lhe interessa: ficar no governo para sempre. Essa tarefa é a censura policial ao que milhões de brasileiros dizem hoje na praça livre das redes sociais. Pode ser uma busca inútil, malfeita e idiota. Talvez seja impossível. Mas Lula, o seu culto e os ministros do Supremo enfiaram na cabeça, definitivamente, que não há mais lugar no Brasil para eles e para a liberdade de expressão ao mesmo tempo. Sua opção, naturalmente, é pela própria sobrevivência. A combinação de horror e ódio que o consórcio foi formando em relação à internet passou o limite da política e já está hoje, abertamente, na área da neurose. 

Há alguma dificuldade, em relação a qualquer coisa, no governo? A culpa é jogada automaticamente em cima da “terra sem lei” que existiria nas redes sociais. O dólar passou dos R$ 6,10? A Polícia Federal vai investigar memes que estariam, com certeza, provocando a alta. A Rede Globo denuncia a atuação das redes na “Faria Lima”. A Advocacia-Geral da União requer, e é obedecida, que sejam tiradas da internet postagens chamando o ministro Haddad de “Taxad” — é isso que está causando, dizem eles, a baderna na economia.



Fernando Haddad, durante coletiva de imprensa sobre o Pix, no Palácio do Planalto, em Brasília (15/1/2025) | Foto: João Risi/Seaud/PR


Lula e a maioria maciça da mídia ficaram transtornados com as notícias de que a nova regulamentação do Pix pela Receita Federal se traduziria, na vida real, por mais pagamento de imposto. Aconteceria exatamente isso, mas são as redes que informam à população a verdade objetiva dos fatos — e sepultam a mentirada da propaganda oficial reproduzida pelos jornalistas. Alexandre de Moraes diz a cada 15 minutos que a arruaça transformada pelo regime no Golpe dos Estilingues foi provocada diretamente pelas “plataformas digitais”. 

As redes são acusadas de causar aumento de preço no supermercado, assassinato de crianças e pânico com a dengue. Isso para não falar nas denúncias permanentes de que as redes sociais tornam impossível a existência da democracia no Brasil — ou seja, ou a democracia acaba com elas, ou elas acabam com a democracia. A AGU deixa de ser um órgão de Estado e passa a ser uma célula política extremista a serviço da repressão — atividade que, frequentemente, conduz em conjunto com facções do Ministério Público. A noção milenar traduzida pela palavra “liberdade” foi abolida pelo governo e pela esquerda. É compulsório para eles só falar de liberdade, hoje em dia, colocando automaticamente junto algum termo depreciativo: “abuso de liberdade”, “liberdade sem limites”, “excesso de liberdade”, “liberdade de mentir”, “liberdade de casa da Mãe Joana”, e por aí afora.


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Isso tudo, para resumir a ópera, claramente não significa opinião. Ou seja, não se trata de pontos de vista racionais sobre o fenômeno certamente perturbador da criação de mecanismos tecnológicos que, pela primeira vez na história da humanidade, permitem que todos digam a todos, o tempo todo e em todo o mundo, tudo o que querem dizer em público. Trata-se de puro e simples pânico do pensamento político totalitário diante da pior ameaça estrutural que pode existir, em qualquer época, para sua existência: a possibilidade concreta, mecânica e permanente de que a maioria do povo manifeste livremente a sua opinião. O regime em vigor não tem uma opinião sobre as redes sociais. Tem um propósito objetivo: impedir que as pessoas digam ali o que o governo não quer que seja dito.

Não tem o mínimo interesse para Lula, o Supremo e a militância de esquerda enfrentar a mentira, as fake news ou o “discurso do ódio” — até porque, no mundo das realidades, ninguém prega o discurso do ódio com tanto empenho quanto eles próprios. Pode haver mais ódio do que promover, como posição oficial de um governo, o lema “sem anistia”? E condenar a até 17 anos de cadeia pessoas que tomaram parte num quebra-quebra, todas elas pobres, sem influência nenhuma e sem antecedentes criminais? O que de fato interessa ao consórcio é fazer exatamente o contrário: reservar para eles mesmos o monopólio para pregar o ódio, falsificar os fatos e traficar mentiras. Como Lula diz o tempo todo, o que o interessa não é a realidade. É a “narrativa”.


Cerimônia relativa ao 8 de janeiro de 2023, no Palácio do Planalto, em Brasília (8/1/2025) | Foto: Rosinei Coutinho/STF 

O regime parece sentir mais do que nunca, neste momento em particular, a necessidade de mentir — não mais como preferência, mas agora como questão básica para manter-se vivo. Em seus dois anos de vida, o governo Lula não governou durante meia hora que fosse; talvez nunca tenha tido, desde o começo, nenhuma intenção de governar. Sua fixação sempre foi a distribuição dos lucros da firma para eles mesmos e seus clientes. Afinal, para o que serve o Erário se não for para isso — financiar os projetos “da sociedade”, pagar o sistema judicial que tem os salários mais altos do mundo, ou comprar a passividade dos pobres dando dinheiro todos os meses a mais de 50 milhões de pessoas no Bolsa Família? Governar é, acima de tudo, promover o máximo bem-estar para os amigos, e para os amigos dos amigos. 

O governo Lula, nestes dois anos, só fez reclamar, resmungar e acusar os adversários pelos resultados da sua incompetência. Não construiu um centímetro de rodovia, ou de ferrovia e de cais de porto. A saúde pública está na lata do lixo — não consegue, sequer, enfrentar uma epidemia de dengue que já matou 6 mil pessoas. Depois de governarem durante praticamente 16 anos dos últimos 22, Lula e o PT deram ao país um dos piores sistemas de educação pública do mundo. O Brasil vai formar neste ano menos de um terço dos profissionais que precisa para suas necessidades de TI; o número de vagas não preenchidas vai se aproximando de 1 milhão. Não há mais investimento privado capaz de mudar alguma coisa efetivamente para melhor, num país onde o governo como um todo é abertamente hostil à iniciativa individual. 


Lula no lançamento do programa Mais Professores, no Palácio do Planalto, em Brasília (14/1/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

O sistema educacional Lula-STF, que proíbe às escolas exigirem o respeito à gramática no ensino da língua portuguesa, tornou-se um imenso fornecedor de mão de obra semianalfabeta para os tipos de trabalho que pagam os piores salários e impõem as ocupações mais pesadas. O Estado brasileiro é comprovadamente incapaz de garantir aos cidadãos o direito à vida — usar um equipamento de GPS, em certos lugares, é arriscar-se a ser assassinado. Não existe mais política econômica. A única atividade ligada à economia que sobrou no governo Lula é a cobrança de impostos, e quem faz essa política é a Receita Federal — o verdadeiro Ministério da Fazenda que existe hoje no Brasil. Em apenas dois anos o déficit público aumentou em R$ 2 trilhões, e esse dinheiro evidentemente não foi para o bolso dos “pobres”. 

Ao contrário, está enfeitando a prosperidade dos gatos gordos que enriquecem com o Tesouro Nacional, naquilo que é hoje o maior programa oficial de concentração de renda do mundo. Com um prontuário desses, sem uma obra sequer para oferecer ao público pagante e com a perspectiva clara de um futuro com juro alto, dólar acima dos R$ 6, crescimento mambembe, estatísticas de desemprego que incluem os assistidos do Bolsa Família como plenamente empregados, crime fora do controle, juízes que vendem sentenças e o resto do seriado, a última coisa de que o regime LulaSTF quer ouvir falar é liberdade de expressão. Não a liberdade de expressão na imprensa que você está cansado de conhecer. Aí não precisa censura, seja porque a imprensa é desesperadamente a favor, seja porque cada vez menos gente lê. O bicho que realmente pega está nas redes, onde milhões se manifestam, se informam e frequentemente encontram a única maneira de ficar sabendo que as novas regras do Pix vão resultar, sim, senhor, em pagamento de mais imposto para uma multidão de gente humilde. 


Cerimônia relativa ao 8 de janeiro de 2023, no Palácio do Planalto, em Brasília (8/1/2025) | Foto: Lula Marques/Agência Brasil 

Isso, sim, é uma fake news gigante — a lorota de que o novo Pix “não muda nada”, a não ser para a “lavagem de dinheiro”, como disse Lula. No caso, quem expôs os fatos, mesmo, foram as postagens nas redes sociais. O que o regime quer calar, como se vê, não são as mentiras, as deformações e os “ataques à democracia”. O que quer calar, mesmo, são as verdades que está preocupado em esconder. É todo um mundo. São os salários de R$ 400 mil por mês para os juízes, ou sabe-se lá quanto. (“Ataques à Justiça”.) É o perdão de multas de R$ 20 bilhões para empresas amigas do presidente. (“Ataques ao STF”.) São as denúncias sobre a corrupção no governo. (“Ataques às instituições”.) São os comentários sobre a alta do dólar, dos juros ou dos preços. (“Ataques à ordem econômica”.) Etc. 

O governo não tem a menor ideia de como vai resolver qualquer dos seus problemas reais — não tem, nem mesmo, sugestões para isso, a não ser a discurseira de extrema esquerda que enche as cerimônias fechadas do PT, mas não serve para trocar uma lâmpada queimada. Não tem, em suma, nada que possa parecer um programa de ação. A sua única estratégia neste momento, tanto quanto se vê, é jogar tudo para cima “do Xandão”. “O Xandão resolve.” “Deixa com o Xandão.” “O Xandão vai dar um jeito.” O fato é que há uma eleição geral daqui a dois anos — e não há nada pior para um governo que não fez nada, e não tem o menor interesse em fazer, do que liberdade de expressão junto com eleições livres. Não existe uma sem as outras, e vice-versa.


Alexandre de Moraes na cerimônia em alusão ao 8 de janeiro de 2023, no Palácio do Planalto, em Brasília (8/1/2025) | Foto: Lula Marques/Agência Brasil

A reação histérica do governo e do STF contra a decisão da Meta, o maior conglomerado de plataformas digitais do mundo, de abolir a censura sobre as postagens feitas pelos usuários de suas redes nos Estados Unidos é mais uma declaração de guerra à palavra livre. Nada resume tão bem esse clima de neurastenia repressiva quanto a “reunião de urgência” convocada por Lula com magnatas estatais que não conseguiriam explicar, numa batida policial, qual é a ocupação honesta que exercem. 

Num país arrasado por todo tipo de problemas reais e urgentes, Lula achou uma boa ideia parar tudo (embora não se saiba ao certo o que poderiam realmente parar) e se enfiar numa sala para “enfrentar” a decisão que uma empresa americana pretende aplicar nos Estados Unidos em relação a práticas internas.

 É óbvio que não resolveram coisa nenhuma, porque a certa altura alguém percebeu que não havia absolutamente nada a resolver. Mas o chilique do consórcio Lula-STF diante da decisão da Meta não foi apenas mais uma palhaçada explícita de um governo que passou os dois últimos anos se exibindo num picadeiro de circo, em vez de fazer qualquer modalidade de trabalho útil. Foi, isso, sim, mais um sinal claro de que Lula jogou a toalha em suas fantasias sobre “a colheita” da safra que jamais plantou. Aposta tudo na combinação de gasto público sem limites, enganação da nova equipe de marketing, e o bom e velho TSE que cumpre “missões” e faz censura “só” até o dia “30 de novembro”. Mas eles não confiam só nisso. Querem também censura para as redes nas eleições de 2026. É fechar pelos sete lados.


Lula, durante reunião no Palácio do Planalto, em Brasília (10/1/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR 

O regime e seu sistema de apoio na mídia e na vida pública criaram a Mãe de Todas as Mentiras para colocar de pé o ato de pura escroqueria que é a “regulamentação” das plataformas digitais de comunicação livre. Dizem, em seu argumento central, que as redes sociais não podem “continuar” operando “fora da lei”. Precisam se sujeitar, como tudo, a regras legais — no caso, regras feitas pelo STF do ministro Alexandre de Moraes, já que o Congresso, o único autorizado a fazer isso, está “demorando” para agir. O Brasil, proclamam a cada dois minutos, não é uma “terra sem lei”. Não está aqui para ficar obedecendo “ordens de bilionários estrangeiros”. Não somos a “casa da Mãe Joana”

É tudo integralmente falso. As redes não vão “continuar” operando fora da lei porque sempre operaram dentro da lei. E têm agido dessa forma porque existem, sim, leis para regulamentar as redes — é o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014 pelo Congresso Nacional, um conjunto de regras maduras, racionais e perfeitamente adequadas à proteção de direitos no ambiente digital. O país tem há 11 anos, portanto, uma lei para as redes. O que não tem, na verdade, é o respeito de Lula, da esquerda e do STF a essa lei, a única que vale, porque foi aprovada pelo Poder Legislativo nacional, e não num porão de polícia política.

A lei existe. O problema é que Lula e o STF não gostam dela. São eles que não querem cumprir a lei — e, por isso, estão exigindo a criação de outra, do jeito que querem. O que o regime não admite, no Marco Civil da Internet, deixa à vista as suas más intenções. Eles querem acabar com o artigo estabelecendo que é preciso sentença judicial, dentro do devido processo da lei, para que qualquer conteúdo seja retirado das redes sociais. “É inconstitucional”, diz o STF. Como poderia desrespeitar a Constituição Federal um artigo de lei que estabelece a Justiça — isso mesmo, a Justiça — como lugar correto para a solução de divergências? País sem lei é país onde a Justiça fica excluída de tomar decisões. Casa da “Mãe Joana” é o consórcio Lula-STF. 

“Ato antidemocrático” é fazer censura e dizer que estão verificando “fatos”. O governo Lula não tem mais saída pelas eleições — se é que teve algum dia, considerando-se as condições em que foi declarado vencedor em 2022. A estrada que tem pela frente é a do totalitarismo. A censura é essencial para esse projeto.  


Revista Oeste