terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Paulo Polzonoff Jr.: 'Formação atual do STF transforma decisões da corte em papo de boteco'

Registro de uma sessão plenária do STF. (O Gilmar não aparece porque está em Lisboa e o Dirça porque foi ele quem tirou a foto). (Foto: Montagem)


Enquanto isso, no Bar Brasil, um boteco de Terceiro Mundo e Quinta Categoria no final da rua República das Bananas, bem ao lado da Casa da Mãe Joana, alguns cavalheiros e uma senhora conversam animada e etilicamente depois de mais um dia tomando decisões jurídicas as mais equivocadas possíveis.

Eles falam de criptomoedas, programação neurolinguística e mudanças climáticas, lembram musas (“Com quantos anos será que tá a Maitê Proença?”) e ministros do passado (“Que fim levou o Joaca, hein?”) e trocam impressões sobre o assunto do momento: Jeniffer Castro, a moça que se recusou a dar o lugar a uma criança no avião.

Mas nós, espectadores desse espetáculo grotesco, chegamos atrasados e, por isso, perdemos essa parte. De qualquer forma, puxe uma cadeira para ouvi-los falar sobre o recente julgamento do Artigo 19 do Marco Civil da Internet e otras cositas más.


E bota más nisso!


Têmis

— (...) O Totó aqui é que é macho paca. Ele disse que ia falar e falou mesmo. Hahahaha. Ô, Têmis, desce mais uma daquela branquinha com jaboticaba pro meu amigo Totó aqui — diz aquele que é carinhosamente chamado de Fufu. A garçonete vem, serve a cachaça e sai rindo sedutoramente.

— Essa Têmis, hein? Uau. É por isso que eu gosto de vir aqui neste bar — diz o Flavinho, aquele cujo nome-de-bar está proibido. Se bem que todo mundo sabe quem é. Ou, no mínimo, imagina.

— Nem me fala! Um piteuzinho. Pena que é cega — diz o Faka, que de bobo só tem mesmo a cara, o bigode e o jeito de andar.

— Ó o preconceito, rapá! — repreende o Flavinho. — Eu sou politicamente correto, tá me ouvindo? Politicamente correto! Pecê, pecê, pecê!

— Achei que teu PC fosse outro... — provoca o Faka, levando o copo de cerveja à boca e lambendo a espuma que ficou no bigode. Antes que o Flavinho possa responder, porém, ele emenda: — Mas diz aí, Totó! Cê não ficou com vergonha, não?


“Eu lá tenho vergonha?

— Que vergonha o quê! E eu lá tenho vergonha nesta minha carinha linda? — diz Totó.

— Pô. O cara é mó cara-de-pau mesmo. Precisa ver. Depois de dizer essa asneira ainda foi lá e... — diz o Flavinho, pondo lenha na fogueira.

— Tudo culpa do Fufu, né? — interrompe Totó.

— Como assim? Tem culpa eu?

— Pô, Fufu. Você me vem falar que a culpa é do robô, cara? Do robô! Aí eu não aguentei. E o Flavinho olhando lá com aquela cara dele.


Frango a passarinho e aborto

— Ah, meu. Eu não tava nem prestando atenção. Tava pensando em comida. Por falar nisso... Ô, Tetê. Chega mais. — A garçonete chega à mesa em seu passo cego. Numa das mãos ela traz a inseparável balancinha que, noto, está um pouco desequilibrada. Adivinha para qual lado. — Tem aquele lambarizinho frito aí, Tetê? Quer saber? Traz também uma porção de frango a passarinho e uma porção de assuntos para legislar: aborto, liberação das drogas, regulamentação das redes sociais...

— O homem tá com fome! Parece que acabou o efeito do Ozempic — provoca o Faka. —Quantos quilos cê já perdeu, cara?

— Sei lá. Não tô falando com você. Nem com você, nem com você, nem com você. Cêis são uns traíras que não foram no meu casamento.

— Pô. Também. Quem é que se casa no Maranhão? Quando eu quero ver pobre, me olho no espelho — diz algum deles. Não lembro qual porque me distraí aqui por um instante.

— Essa sua fala pode ser considerada xenófoba por nós do STF. Melhor apagar — aconselha o Chatiano.

— Quando eu quero ver pobre, me olho no espelho —repete/apaga alguém, não sei quem porque continuo distraído. Retomando:

— O Presida é que é parça — diz o Flavinho. — Pegou até jatinho da FAB pra ir no meu casamento. Tá nem aí pra repercussão. Aliás, cadê ele que não chegou ainda?

— Já chega aí.


Nóis têmis notavis saberis juridiquis

— Mais alguma coisa, excelências? — pergunta Têmis, que ficou ali de pé esse tempo todo e ninguém percebeu. Nem ela.

— Não, Tetê. Por enquanto é só isso — diz o Flavinho. Ela sai, a balancinha pendendo para a esquerda, sempre para a esquerda. Essa Tetê...!

— Por que você chama ela de Tetê? O nome dela é Têmis, cara — intervém o Chatiano.

— Ah, deixa de ser chato! Têmis parece o Mussum falando! Nóis têmis notavis saberis jurídiquis.

— Nanéni o nunum nanano – remeda o Chatiano feito criança birrenta, servindo-se de mais uma garrafa que a garçonete acaba de pôr na mesa e ajeitando os oclinhos de cartorário.


Um brinde!

— Um brinde! — propõe o Dé. Assim, de repente. Do nada mesmo. Até levei um susto aqui quando ele falou.

— Quem não bebe não pode fazer brinde, Dé!

— Por isso que eu sou ateu! — diz um deles, notável comunista.

— Cêis tiram sarro só porque eu sou evangélico... Quer saber? Ô, dona Têmis. Traz um rabo-de-galo pra mim também. — E para a mesa: — Cansei de ser o certinho desta admirável confraria. Vou fazer parte aqui da turma. Chega!

— Aêêêêêê. Agora, sim! Mais um pro clube — diz Totó. Eles erguem os copos e brindam.

— E pode ficar tranquilo que a gente vai fingir que você não foi indicado pelo outro lá — diz Xandão, que estava meio quieto até agora porque é viciado em Twitter.

— Agora só falta o Kaká entrar pro clube também. Por falar nisso, cadê ele? — pergunta o Dé.


Salvando a democracia

— Sei lá! A Carminha não vem, não?

— Liguei pra ela. Disse que tava no Uber. Daqui a pouco ela chega. Ô, Xande. Cê não vai falar nada? Sai desse celular, pô! — diz o Faka para o parça.

— É por isso que a gente tem que regulamentar as redes... — comenta o Fufu.

— Pô, foi mal, galera. Peço perdão. Fui moleque. É que eu tava aqui lendo o que o Allan falou de mim. E agora vou fazer um pix pra ajudar o meu coringão a pagar a dívida.

— Má tu é burro, hein, Xandão. Não precisa pagar nada, cara. Sai do celular e deixa comigo — diz o Faka. — Eu dou um jeito em tudo.

— Pô. Valeu, cara. Aqueles 1,7 bilhão lá foram uma baita ajuda. A Fiel agradece. Cê é tão gente boa que nem parece curitibano.

— Mas eu não sou curitibano mesmo. Sou gaúcho.

— Curitibano, catarina, gaúcho. É tudo fascista! — diz o Xande. Todo mundo ri. Menos o Toffoli, que não entendeu a piada.

— Olha a xenofobia... — adverte Chatiano. Xande e os demais reviram os olhinhos dramaticamente.

— De qualquer forma, muito obrigado — diz Xande.

— Não precisa agradecer. Basta continuar salvando a democracia.


Hahahahahahahhahahaha!

— Hahahahahahahahahaha! — riem todos.

— Hahahahahahahahaha! — continuam rindo.

— Hahahahahahahaha! — não param.

— Hahahahahahaha!

E uma última vez: — Hahahahahaha!


Ridendo castigat mores

— Vocês tiram sarro, mas gostam, né?... — diz Xandão.

Todos fazem que sim com a cabeça.

— Tá, tá, tá. Mas... e aí? Qual será que vai ser a próxima do nosso amigo Totó aqui, hein? — pergunta o Chatiano. Porque sempre tem um chato que não entende a dinâmica da conversa e acha que na mesa do bar os assuntos também têm que ter começo, meio e fim.

—  “Linha de trem que é uma via......... de comunicação” — imita o Xandão. Todos riem do já histórico despautério supremo. — Só você mesmo Totó. Você pensou nisso sozinho ou precisou de ajuda?

Risadas.

— Precisei de ajuda.

Mais risadas.

— Ridendo castigat mores — diz o Chatiano. Porque. Sempre. Tem. Um. Chato.

— Tomate cru, cara! — esbraveja Totó, finalmente percebendo que tinha sido insultado. — E você que é vitima e juiz ao mesmo tempo?! Vai prender terrorista de batom e não me enche o saco! — diz, fingindo irritação.


Olha só quem chegou!

— Parem de brigar, meninos! — pede o polido (e chato) Chatiano.

— Ninguém tá brigando aqui. Cê sabe que a gente se ama. Né, Xandão? — diz Totó.

— Sei? Amar é uma palavra muito forte... Mas responde aí, cara. O que é que você pretende aprontar semana que vem?

— Nah. Já encerrei meu voto. Agora é com vocês. Eu já dei o meu showzinho.

— Xá comigo! – diz Xandão, esfregando as mãos. — Vai ser len(espere um pouco!)dáááário!

— Vixi. Imitando o Barney Stinson. A coita tá feia mesmo — diz Fufu. — Por falar em showzinho, olha só quem chegou! Ele trouxe o cavaquinho e tudo! — E para o dono do boteco: — Ô, seu Giraldi. Tá deixando qualquer um entrar aqui agora? Esse bar já foi melhor frequentado, hein!


Tá pensando que você é o quê?

— Mais bem – corrige o Chatiano.

— Ãhn?

— Mais bem frequentado. Não “melhor frequentado” — explica. Ou melhor, dá aulinha. O Chatiano é desses que gostam de explicar tudo assim, tintim por tintim, nos mííííínimos detalhes.

— Ah, vapapu, cara! — berra o Fufu. — Eu falo do jeito que eu quiser. Tá pensando que você é o quê? Ministro do STF?

Todos riem enquanto o Presida se senta e começa a afinar o instrumento. Por ser o Presida, era para ele se sentar na ponta. Mas o Xandão já está acomodado lá e é melhor deixar quieto.


Cadê o Gilmar?

— Olha só quem chegou também! Grande Dirça! Quanto tempo, cara! — diz Totó pro amigo de longa data. Senta aqui do meu lado.

— Deixa de ser mentiroso, cara. Te vi ontem lá no jantar do Prerrô.

— É verdade. Sabia que foi o Dirça quem me deu a dica de falar que liberdade de expressão absoluta é ter o direito de bater na mulher? O cara é...

— Papo chato — diz o Dirça, que é malandro da velha guarda e não tem paciência para essa rapaziada. — Cadê o Gilmar, hein? Tô precisando falar com ele. Combinar umas parada aí.

— Deve estar em Lisboa! Nunca vi gostar tanto de Portugal... Mas diz aí, ô, Dirça. Qual é a boa de hoje?

— Pô. Cê num lê jornal, não?

— Só a coluna do Polzonoff! — dizem todos em uníssono, levantando os copos e brindando. (Obrigado, pessoal). Chegam as porções de lambari, frango a passarinho e matérias para legislar. Ao fundo, ouve-se o Presida afinando o cavaquinho.


Cazuza e Legião

— Que que você vai cantar hoje, Presida?

— Hoje eu tô melancólico.

— Xiiiii... Lá vem ele com “Aquarela do Brasil” de novo. Cê num sabe cantar outra coisa, cara?

— Só não vai me cantar Cazuza, hein! — diz Totó.

— Nem Legião — diz Fufu, provocando Totó.

— E há tempos/ Nem os santos/ Têm ao certo a medida da maldade — canta o desafinado Totó, só para provocar.

— Cala a boca! — diz Fufu. — Deixa o Presida aqui falar. Fala, meu Presida!

— Vou cantar...

Mas o aguardado anúncio é interrompido pela chegada da Carminha.


Crônica de família

— Já vi que cheguei em boa hora porque vai começar o samba — diz ela toda animada. — Mas não vai cantar “Aquarela do Brasil” de novo, né? Cê não sabe outra música, não, Presida?

— Ah loko! Ah loko! — provoca o Xandão. — Chegou tarde, Carminha. Você perdeu o Totó comentando as asneiras que ele disse lá no plenário semana passada.

— Que asneira? — pergunta ela. — Eu achei tudo muito inteligente. “A mão invisível da inteligência artificial” é coisa de gênio. — E para o coitado: — Eles pegam demais no teu pé, Totó. Só porque você é estagiário.

— Fui. Não sou mais. Que fique bem claro! — enfatiza ele.

— Ah, para com isso, Carminha! Até o Totó aqui já reconheceu que falou qualquer bobagem só pra ver a jornalistada fazendo malabarismo pra passar pano pra ele — diz o Flavinho com três rabinhos de lambari frito saindo pela boca.

— “Bobagem”? Hmmmm. Que educado. Não tô te reconhecendo, Flavinho.

— É que esta é uma crônica de família – diz ele.

Ninguém ri porque essa foi fraca mesmo.


Aguarde e confie

— Mas é sério isso de falar qualquer bobagem? Quer dizer, então, que eu tô livre? Posso citar o Caetano no meu voto e dizer que as redes têm que ser censuradas...

— Regulamentadas — corrige quem? quem? quem? O Chatiano, é claro.

— Regulamentadas. As redes sociais tem que ser regulamentadas porque circuladô de fulô ao deus ao demodará...? — pergunta Carminha.

— Pode citar até a Jojo Toddynho! — diz o Faka.

— A Jojo não! A Jojo agora é ídala do outro time — explica o Chatiano. Claro que foi o Chatiano. Quem mais poderia ser além do Chatiano?

— Caetano, Jojo, Silvio Almeida, Fernanda Torres. Cita quem você quiser, mulé! — diz Xandão. — Diz o que você quiser. A decisão já tá tomada mesmo. Até o Dé aqui falou que vai votar com a gente. Não é? Diz pra ela, Dé.

— Aguarde e confie – diz o terrivelmente qualquer-coisa.


O mundo é um moinho

— Canta aí, ô, Presida. Canta um Zeca Pagodinho. “Deixa a vida minha levar...” — propõe Totó.

Todos: — Vida leva eu...

— Nah. Já disse que acordei melancólico hoje — diz o Presida, cortando a euforia da rapaziada.

— Ah, deixa de ser... — diz o Faka, prestes a cometer um crime inafiançável e imprescritível, quando é interrompido pela voz aveludada do Presida.

— Ouça-me bem, amor

Preste atenção, o mundo é um moinho

Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos

Vai reduzir as ilusões a pó.

(Silêncio).


Soda

— Pô, depois dessa...

— Essa música é muito soda. Tão soda que deveria ser inconstitucional!

— Soda pra baralho.

Todos ficam pensativos por alguns segundos. Até que Xandão, incapaz de se emocionar com os tristíssimos versos de Cartola, quebra o silêncio:

— E aí, pessoal? Já decidiram quando é que a gente vai prender o Bolsonaro?


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