Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, espera que pacote fiscal seja aprovado pelo Congresso em 2024, sem reclamar dos afrouxamentos pelos parlamentares. (Foto: André Borges/EFE)
O que o mercado financeiro e o próprio governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) temiam ocorreu: interesses eleitorais, inclusive da base parlamentar de apoio, tiraram vigor do pacote de ajuste fiscal. Além disso, a apreciação pelo Congresso das tardias e insuficientes medidas do ministro Fernando Haddad (Fazenda) escancarou a fraqueza política dele próprio e do presidente, mesmo diante da liberação de mais de R$ 7 bilhões em emendas parlamentares na última semana.
A resistência de Lula em encarar efeitos da desconfiança do mercado, que levaram a cotações recordes do dólar e à escalada de juros, e o desgaste de Haddad se juntaram ao mau humor gerado pelo bloqueio de emendas parlamentares no fim do ano. Nesse ambiente, o Congresso agiu conforme seus interesses, tumultuando o calendário e reforçando o pessimismo.
Na conturbada última semana de votações do ano no Congresso, o desgaste de Lula e Haddad reforçou o impasse. Declarações de líderes governistas evidenciaram o desconforto com incertezas sobre os projetos propostos pela Fazenda. Por fim, o cabo de guerra em torno do Orçamento minou a chamada de responsabilidade em favor do equilíbrio das contas públicas.
Haddad tenta minimizar a desidratação das medidas do pacote pelo Congresso
Ainda na quarta-feira (18), Haddad minimizou a desidratação pelo Congresso do pacote fiscal, dizendo que ela “não tem grande monta” e acrescentando que espera manter a “escala” de contenção de gastos em patamar próximo da meta do governo. A equipe econômica estima um alívio de R$ 327 bilhões de 2025 a 2030. Apesar disso, o Tesouro prevê déficit até 2026.
A Câmara também decidiu limitar o bloqueio das emendas para cumprir os limites do marco fiscal a só uma parte (15%) delas e às não impositivas, graças a uma emenda apresentada de última hora pelo próprio líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE). Com isso, ficam de fora do ajuste as emendas individuais e de bancada, de pagamento obrigatório.Os deputados ainda reduziram de oito para cinco os fundos públicos que podem ser desvinculados para abater dívidas do governo, excluindo os de combate às drogas, da Marinha Mercante e da Aviação Civil. Juntos, eles tinham saldo de R$ 20,4 bilhões no fim de 2023, cerca da metade dos oito.
A maior parte das propostas do pacto de corte de gastos ainda está sendo analisada pela Câmara nesta quinta e deve passar por apreciação no Senado na sexta.
Nesse quadro, chamou a atenção Haddad já ter reservado praticamente o mês de janeiro todo para férias.
Servidores pressionam os parlamentares para impedir mudanças nos supersalários
Persistem resistência a mudanças no fundo constitucional do Distrito Federal e na contenção dos chamados supersalários do serviço público, sobretudo do Judiciário. O relatório da PEC que muda regras do abono salarial previa que uma lei complementar trataria das verbas que podem ficar fora do teto salarial de servidores, hoje de R$ 44 mil mensais. As entidades de defesa as categorias afetadas montaram forte esquema de pressão junto aos parlamentares para evitar modificações.
O relator Moses Rodrigues (União Brasil-CE) mudou o texto para prever que a regulamentação seria por meio de lei ordinária, que requer quórum mais baixo que a PEC, sendo facilmente flexibilizada. Outro trecho incluído pelo deputado deixa claro que, se não mudar a regra, tudo fica como é hoje.
Com isso, em vez de aprovar ou endurecer o pacote fiscal, o Congresso caminha para esvaziá-lo e eleva projeções de inflação, juros e câmbio, diante da descrença na capacidade do governo em ajustar as contas públicas.
Não por acaso, de forma unânime, o Banco Central (BC), acossado pela alta da inflação, elevou a taxa básica de juros (Selic) em um ponto, para 12,25% ao ano e ainda sinalizou que em três meses o percentual poderá chegar a 14,25%. A última vez em que a Selic atingiu esse nível foi em 2015, quando Dilma Rousseff (PT) era presidente e o país afundava na recessão.
Diferentemente do que Lula e o PT afirmam, a alta dos juros tenta compensar a ausência de ações do governo para conter a trajetória de alta da dívida pública. Nesse cenário, parlamentares, incluindo governistas, resistem a aprovar medidas como o endurecimento nas regras do benefício destinado a idosos e deficientes pobres (BPC), com temores eleitorais.
Votação do pacote no Congresso só foi destravada após liberação de emendas
A votação das propostas para contenção de gastos só foi possível após o governo pagar R$ 7,1 bilhões em emendas parlamentares em apenas dois dias. Os recursos estavam suspensos e foram liberados após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ainda há R$ 8 bilhões em emendas de comissão que não foram pagos. Na prática, essas emendas são controladas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Nesse tipo de emenda, o nome dos beneficiados fica oculto, situação que o STF mandou suspender. O governo só quer pagar o restante após a sexta-feira (20).
Em paralelo, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos deputados Pedro Paulo (PSD-RJ), Kim Kataguiri (União-SP) e Júlio Lopes (PP-RJ) visa cortar R$ 1,5 trilhão em 10 anos, com desindexação e desvinculação de vários pontos do Orçamento. Mas há quem defenda ações na direção contrária. De toda forma, a demora na aprovação do pacote encarece o ajuste fiscal.
Para o economista Vandyck Silveira, as finanças do governo fixaram o dólar a R$ 6 como novo piso, sem chances de ceder. Dessa forma, usar reservas cambiais para conter a dinâmica cambial seria “ineficaz e insustentável”.
“O governo precisa assumir a responsabilidade pelo desarranjo econômico que criou. Sem ajuste contundente, o cenário futuro tende a piorar”, disse.
Sílvio Ribas, Gazeta do Povo