Ele condena manobra para beneficiar Alcolumbre e Rodrigo Maia e defende pressão da opinião pública sobre o Parlamento
Osenador Oriovisto Guimarães (PR), do Podemos, ficou numa saia-justa há quinze dias, assim como os demais integrantes de seu partido, conhecido por defender a chamada pauta ética de renovação da política. Uma colega de bancada, a capixaba Rose de Freitas, sacou uma emenda à Constituição para tentar abrir caminho para a reeleição da dupla Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) no comando do Congresso Nacional. Houve um alvoroço na sigla, e Rose de Freitas pediu a desfiliação para não ser expulsa.
Em entrevista à Revista Oeste, Oriovisto Guimarães fala sobre essa possibilidade em curso, a desilusão com as reformas administrativa e tributária e a agenda moralizadora que a opinião pública cobra mas acaba empoeirada nas gavetas dos parlamentares que detêm as canetas mais poderosas.
A seguir, os trechos mais relevantes da entrevista.
A senadora Rose de Freitas (ES), filiada ao seu partido, apresentou a PEC 33/2020 (proposta de emenda à Constituição) para permitir no tapetão a reeleição dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), algo que vai na contramão da opinião pública. O senhor e seus colegas de bancada foram consultados?
A senadora Rose de Freitas não comunicou o partido, não conversou com ninguém, fez por iniciativa pessoal. Trata-se de algo que não reflete nosso pensamento e, inclusive, ela deixou o partido porque a reação contrária foi muito grande. Sobre o mérito da PEC, sou contra. Primeiramente, pelo absurdo, temos uma série de matérias importantes para ser votadas, vide a prisão em segunda instância, todos os vetos. Vão parar o Senado para beneficiar só uma pessoa? A Constituição é absolutamente clara no artigo 57, parágrafo 4, e não se trata de legislação da época da ditadura militar, como argumentou a Rose de Freitas. Trata-se do que foi aprovado em 1988. Então vamos mudar a Constituição para beneficiar um cidadão ou dois, o Rodrigo Maia também, furando fila de matérias em plena pandemia? Temos 118 emendas à Constituição, mas não tenho notícia de uma que tenha sido feita para beneficiar uma ou duas pessoas, mas sim a população. Será que só o Davi Alcolumbre pode ser presidente do Senado? Não há nenhum outro senador com a mesma capacidade ou talvez mais? Afinal, é triste o legado que ele e o Rodrigo Maia deixam na pauta ética. Não foram aprovados nem o fim do foro privilegiado nem a prisão em segunda instância.
O governo encaminhou uma proposta de reforma administrativa. O senhor acha que ela será aprovada pelo Congresso?
O governo foi bastante tímido porque disse que as regras só se aplicam daqui para a frente, ou seja, os privilégios do Estado monstruosamente grande continuarão até que essas pessoas morram, e isso pode levar muitos anos. Nessas bases, essa reforma administrativa não terá nenhum efeito imediato sobre as finanças do Estado. Começou mal com essa exigência de não mexer nos atuais servidores.
“Sem pressão popular, [o fim do foro privilegiado não será aprovado] nem no ano que vem. Vai sair a vacina, vamos voltar a funcionar presencialmente, mas o caráter dos políticos não vai mudar”
E a reforma tributária, que parece ter caminhado um pouco, como fica?
A forma como o Parlamento está funcionando na pandemia é estranha. A covid-19 afetou o processo legislativo. Como funcionava o Parlamento antes com as reuniões presenciais? As comissões trabalhavam regularmente para discutir os temas, que tinham de passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Isso desapareceu, não tem mais comissão. Foi algo que gerou uma concentração de poder enorme nas mãos dos presidentes das duas Casas e dos líderes dos partidos. Por exemplo: faço parte da comissão mista [deputados e senadores] da reforma tributária e nos reunimos virtualmente pouquíssimas vezes. Ali, um fala, outro fala e são só discursos teóricos. Todo mundo fala a mesma coisa, diz que precisa simplificar os impostos, que não podemos mais ter esse manicômio tributário, mas ninguém traz uma solução. O governo tampouco apresentou uma proposta concreta. O ministro Paulo Guedes escreve um capítulo, mas não sabemos quando vai publicar o livro. Ele falou rapidamente sobre um ou outro imposto, mas não concluiu dizendo claramente como fica a situação dos municípios, dos Estados e da União. No Senado, tramita a proposta de reforma do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), tem a do o Baleia Rossi [líder do MDB] na Câmara, mas o fato é que temos só discursos. Não sei mais se sai neste ano.
O que o senhor achou da manifestação do presidente sobre o Renda Brasil? E a ameaça de cartão vermelho, era para quem?
No fundo, dou os parabéns ao Waldery Rodrigues [secretário de Fazenda], que pode receber o cartão vermelho. Não fez de caso pensado, pensou em voz alta, a imprensa ouviu e publicou. E o presidente Jair Bolsonaro fez o certo porque não foi comunicado disso. O governo tem responsabilidade com o teto de gastos públicos. Queria um programa de renda mínima, mas não tem dinheiro. Já estava quebrado antes da pandemia, como vão respeitar a Constituição com um programa desses? Também não há dinheiro para eternizar o auxílio emergencial. O presidente entendeu esse cenário e tirou isso da cabeça. O mercado aplaudiu, porque ele mostrou ser responsável: apesar da popularidade do programa, não é viável.
O senhor sempre fala sobre o fim do foro privilegiado e a retomada da prisão após condenação em segunda instância. Há alguma esperança mínima de que ambos avancem?
Neste ano, não. E, sem pressão popular, nem no ano que vem. Vai sair a vacina, vamos voltar a funcionar presencialmente, mas o caráter dos políticos não vai mudar. E sem ruas, então, impossível, porque é só assim que o povo é ouvido. O fim do foro seria um desinfetante na política brasileira. O foro é um atestado de subdesenvolvimento. É dizer: “Se eu tenho um cargo importante, posso cometer falcatruas e usar o cargo a meu favor. Só posso ser julgado pelo Supremo, onde nada acontece”. São 50 mil pessoas privilegiadas. Isso não existe em nenhum país civilizado. O Senado aprovou o fim do foro, mas o Rodrigo Maia não quer, está segurando na sua gaveta. Na hora em que acabar o foro, limpa-se o Congresso e eles saem da política, além de acabar o protagonismo do Supremo Tribunal Federal.
Por falar em STF, o que senhor espera da sucessão do ministro Celso de Mello?
Pelos votos memoráveis que ele já proferiu, acho uma pena que termine o mandato. Vai depender muito de quem o presidente Jair Bolsonaro nomear. Espero que indique alguém melhor do que o Augusto Aras [procurador-geral da República], que foi uma escolha infeliz. No Senado, o Aras prometeu que ia levar a Lava Jato para o país inteiro para que seu nome fosse aprovado. E o que ele faz? O contrário. Quer acabar com a Lava Jato. Esse empate na Segunda Turma, os dois votos dos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, contra os votos do Edson Fachin e da Cármem Lúcia, esse placar beneficia os réus. É por aí que o julgamento do Lula pode ser anulado. Seria uma lástima, mas impossível não é.
O ministro, mesmo licenciado para tratamento de saúde, decidiu de modo monocrático que o presidente Jair Bolsonaro deve depor presencialmente à Polícia Federal, contrariando a jurisprudência. O senhor continua considerando exemplar o desempenho dele?
Não gosto de decisões monocráticas, apresentei uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para regulamentar as decisões monocráticas. O Supremo Tribunal Federal precisa deixar de ser onze ilhas e começar a tomar decisões colegiadas. Quanto ao raciocínio do ministro Celso de Mello, me parece, até onde entendo, que, do ponto de vista da interpretação rigorosa da Lei, ele está com a razão, mas acho que é preciso levar em conta a jurisprudência.
Silvio Navarro, Revista Oeste