Em meio ao desafio do século, cidadãos, governos, sistemas de saúde, comércio, forças de segurança e imprensa, um sentimento impera: o medo.
Não por acaso o lema deste ano pelo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em maio, reforçou a importância do trabalho da mídia profissional como antídoto contra a desinformação - “Jornalismo sem medo e imparcial”.
Para marcar a data, a UNESCO lançou, neste ano, campanha global em que dá destaque a temas como a segurança dos profissionais de imprensa e o trabalho independente e profissional de jornalistas livres de influência política ou comercial.
O secretário-geral das Nações Unidas alertou que esses profissionais são cruciais para ajudar na tomada de decisões informadas:
“À medida que o mundo luta contra a pandemia da Covid-19, essas decisões podem fazer a diferença entre a vida e a morte”.
A divulgação de dados corretos, sem omissões ou exageros, sobre os contaminados, mortos e recuperados é um exemplo simples de jornalismo consciente, sem sensacionalismo. A manipulação das notícias por meio dos meios de comunicação aumenta o medo e induz ao pânico.
Informações distorcidas sobre a doença disseminam um sentimento de insegurança na população, ocasionando o surgimento da “medocultura” e consequente formação de uma “sociedade do medo”.
“Por que tememos cada vez mais o que deveríamos temer cada vez menos: crime, drogas, ...micróbios mutantes, acidentes de avião, fúria no trânsito e muito mais”.
Esse é o subtítulo do livro “Cultura do Medo”, fruto de pesquisas do sociólogo Barry Glassner. Escrito em 2003, muito antes do medo mundial vivenciado hoje, expõe a manipulação das percepções humanas e aqueles que lucram com os medos coletivos, como grupos que arrecadam dinheiro exagerando a letalidade de doenças e políticos que ganham eleições aumentando as preocupações de seus eleitores.
Glassner revelou ainda o interesse de parte da mídia de provocar certos tipos de medo na população, ao mesmo tempo em que não se interessa por divulgar determinados fatores reais de preocupação.
Qualquer pandemia já representa, por si só, uma adversidade ao trabalho jornalístico, em especial quando, paralelamente, se desenvolve uma outra epidemia, a do medo. Diversos profissionais, no mundo inteiro, inclusive no Brasil, morreram de Covid no desempenho de suas funções.
Há o medo de morrer, o medo de escrever e o uso do medo nas matérias. É nos momentos de crise, quando aumenta a demanda por informação criteriosa, que a mídia tem a chance de resgatar sua atitude crítica e cautelosa com relação ao que noticia e a forma como o faz.
Seu papel torna-se ainda mais importante na pandemia, voltado para a difusão de notícias que reduzam o medo e colaborem para uma melhor qualidade de vida, sem que se perca o direito de informar e de ser informado.
Não deve contribuir para que o cidadão se preocupe com o que ainda não ocorreu, e sim estimular a adoção de comportamentos que possam o colocar fora de risco e o proteger do perigo. Isso é possível por meio de informações certificadas, exercidas com responsabilidade e credibilidade, construídas na permanente busca da verdade, e que têm a confiança da população.
Para exercer o jornalismo sem medo, o próprio jornalista não pode sofrer pressões sob variadas formas, como continua a ocorrer no Brasil: censura econômica e judicial; quebra do sigilo da fonte; impedimento do exercício da profissão; agressões físicas; agressões verbais; atentados; ameaças e intimidações, sejam elas on line ou off line; prisões e detenções, entre outras.
Na avaliação da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), enquanto houver um único jornalista agredido, física ou virtualmente – no ou pelo exercício da profissão – a democracia corre risco. O profissional da imprensa não é a única vítima. Há um impacto direto no direito constitucional do cidadão de ser informado.
Segundo os relatórios anuais da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), ainda que a censura esteja expressamente proibida pela Constituição Brasileira, integrantes do Poder Judiciário tem agido como censores no Brasil, determinando censura prévia a jornalistas e veículos de comunicação, retirada de conteúdos jornalísticos das plataformas digitais, apreensões de publicações e até mesmo a prisão de jornalistas, por crime de opinião.
Nesse contexto, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) alerta que a pandemia reafirma o valor do jornalismo e que o momento é de fortalecimento da imprensa, uma vez que desinformação e censura podem matar. Em resumo, “informação correta e livre salva vidas e aponta saídas realistas para as sociedades viverem sem tanto medo”.
Simone Salles
Jornalista, Mestre em Comunicação Pública e Política
Jornal da Cidade