Foi uma lavada. No ano marcado pela pandemia do coronavírus e pela exacerbação dos conflitos raciais nos EUA, a Netflix arrebatou 160 indicações ao prêmio Emmy —um recorde— e deixou para trás a arquirrival HBO, a ascendente Amazon Video e a promissora Apple TV somadas (107, 30 e 18 indicações, respectivamente).
A precursora das plataformas de streaming levou, sozinha, 25% de todas indicações da premiação mais importante da TV americana, cujos troféus serão entregues em 19 de setembro.
Mas é novamente da HBO a série que concorre mais vezes neste ano, “Watchmen”, com 26 indicações, incluindo melhor atriz (Regina King) e melhor ator (Jeremy Irons) em minissérie, além de roteiro e direção.
A produção de Damon Lindelof (“The Leftovers”) inspirada nos quadrinhos homônimos de Alan Moore aborda um episódio tétrico da história americana. Em 1921, uma turba de brancos atacou e matou ao menos cem negros em Tulsa, além de deixar centenas de feridos e casas e negócios destruídos. Até hoje a cidade do estado americano de Oklahoma procura seus mortos, em um sinal de que, um século depois, as feridas raciais do país continua expostas.
Na sequência em indicações, vêm a comédia “A Maravilhosa Sra. Maisel” (da Amazon Video, com 20) e os dramas “Ozark” (Netflix) e “Sucession” (HBO), ambas com 18. “The Mandalorian”, aventura sci-fi que foi a aposta de estreia da Disney, recebeu 15, e “The Morning Show”, o drama sobre assédio que serviu de vitrine ao lançamento da Apple TV, 8.
A categoria em que concorre “Watchmen” condensa o melhor da produção do ano, na qual, além dos temas raciais, primam séries de cores feministas. Estão neste páreo a brilhante “Little Fires Everywhere” (também da HBO), “Ms. America” (FX), “Ubeliavable” e “Unorthodox”, ambas da Netflix.
Mais sem graça é o rol de melhores comédias: “Segura a Onda” (HBO), pérola de Larry David que teve um bom retorno após anos de hiato; a recém-encerrada “The Good Place” (NBC, aqui pela Netflix), Sra. Maisel; “Disque Amiga para Matar” e “Método Kominsky" (ambas da Netflix); “Isecure” (HBO); a canadense “Schitt's Creek” (aqui pela Amazon) e a vampiresca “What We Do In The Shadows”. Maisel e David já têm seus prêmios. “The Good Place” mereceria levar pela inventividade de um roteiro que fala com graça de filosofia.
Entre os dramas, a disputa deve ficar entre as famílias pouco convencionais de “Ozark” (um clã que lava dinheiro) e “Sucession” (magnatas da mídia), duas séries que se provaram melhores em suas segunda e terceira temporada —o oposto de “Better Call Saul” (AMC/Netflix), “The Handmaids Tale” (Hulu/Paramount/Globoplay) e “Stranger Things” (Netflix), que também concorrem.
Completam a lista “The Crown” (Netflix); “Killing Eve” (BBC/Globoplay) e “The Mandalorian”. Com exceção desta última, em sua temporada de estreia, apenas Saul nunca levou um Emmy —mas a série da qual ela derivou, “Breaking Bad”, levou 16 em sete anos.
Nas categorias de atuação, chama a atenção um inédito equilíbrio entre intérpretes negros e brancos, mérito do esforço liderado pela própria Netflix, e sua aspiração por um público global, para diversificar elencos, seguido, também, por outras plataformas.
Jason Bateman (“Ozark”), Sterling K. Brown (“This Is Us”), Steve Carell (“The Morning Show”) Billy Porter (“Pose”) e Brian Cox e Jeremy Strong (“Sucession”) concorrem a protagonista dramático. Como Brown e Porter já ganharam, o prêmio poderia contemplar Carell, um ator cômico por excelência que sempre surpreende nos raros papéis dramáticos que recebe.
Uma competição de veteranos se dá na categoria de comédia, com Anthony Anderson (black-ish), Don Cheadle (“Black Monday”, da Showtime), Ted Danson (“The Good Place”), Michael Douglas (Kominsky) e Eugene Levy (“Schitt’s Creek”) concorrendo com Ramy Youssef, que levou no ano passado pela autorreferente “Ramy”. Danson e Cheadle parecem ter a dianteira.
Entre as atrizes cômicas, Issa Rae, desponta. Ela concorre com Christina Applegate e a surpreendente Linda Cardellini por “Disque Amiga para Matar”; Rachel Brosnahan com sua sra. Maisel, e as veteranas Catherine O'Hara (“Schitt’s Creek”, e a eterna mãe de “Esqueceram de Mim”) e Tracee Ellis Ross (black-ish).
O confronto mais difícil se dá entre as atrizes dramáticas: Jennifer Aniston (“The Morning Show“), Laura Linney (“Ozark”); Zendaya (“Euphoria”, HBO), Olivia Colman (“The Crown”) e Jodie Comer e Sandra Oh (ambas de “Killing Eve”) brilham. Linney coleciona quatro Emmys, e um quinto seria merecidíssimo pelo papel da cínica Wendy Byrde. Zendaya surpreende.
Faltou aí Janelle Monáe, por “Homecoming”, série da Amazon inexplicavelmente desdenhada pelo Emmy