sexta-feira, 24 de julho de 2020

"Não, silêncio não é violência", por Mick Hume, da Spiked

Ser obrigado a dizer coisas é uma ameaça à liberdade e à igualdade

Oslogan “Silêncio é violência” apareceu nos protestos do Black Lives Matter em todo o mundo. É uma mensagem poderosa e emotiva. É também, no entanto, um perigo para a liberdade de expressão — a mesma liberdade que tem sido central nas lutas contra a opressão.
Em meu livro Trigger Warning: Is the Fear of Being Offensive Killing Free Speech? (Alerta: o medo de ser ofensivo está matando a liberdade de expressão?, em tradução livre), escrevi sobre a poderosa cultura do “você não pode dizer ISSO” nas sociedades ocidentais. Desde então, a guerra contra qualquer discurso considerado ofensivo ou odioso tornou-se muito mais intensa.
Agora, além de “você não pode dizer isso”, somos confrontados com uma nova ordem: “Você deve dizer ISSO”. O slogan “Silêncio é violência” não significa apenas que você deve se manifestar, mas que deve seguir o script correto. O indivíduo é livre para dizer exatamente o que todo mundo está dizendo e fazer isso em voz alta.
A liberdade de expressão deve sempre envolver o direito de ofender, de falar o que você acredita ser verdade, independentemente do que os outros pensam. O outro lado da liberdade de expressão é que você deve ter o direito de ficar calado quando quiser — principalmente quando alguém estiver tentando obrigá-lo a falar conforme as instruções. O que é chamado de “discurso forçado” há muito tempo é contestado por ativistas das liberdades civis, sobretudo nos Estados Unidos. Agora, aparentemente, é abraçado por ativistas empoderados.
Desde que se aprove o motivo do protesto, a violência dos manifestantes não será vista como violência

Como chegamos até aqui? Tudo começou com a ideia cada vez mais influente, mas equivocada, de que as palavras são pelo menos tão ruins quanto a violência física e devem ser policiadas com rigor. Em resposta, foi importante lembrar a nós mesmos que a liberdade de expressão é simplesmente fala — por mais duras ou violentas que possam ser as palavras, não são balas nem facas. E esse discurso deve ser livre para todos ou para ninguém.
Hoje em dia as coisas mudaram. Agora nos dizem que não apenas a fala é violência, mas também o silêncio é violência. A mensagem é que, se você não seguir a linha em público e não repetir os mantras do movimento Black Lives Matter, deverá ser culpado de racismo ou, pelo menos, ser cúmplice no sistema racista. Os jovens sofreram uma enorme pressão para publicar mensagens e imagens aprovadas nas mídias sociais, algo que perturbou até alguns dos que simpatizavam com o BLM. Até celebridades empoderadas foram criticadas por não usar exatamente as palavras certas em seus posts, como se fosse esperado delas repetir um texto religioso.
(Podemos observar de passagem que, ao mesmo tempo em que a fala é condenada como violência e o silêncio é considerado violência, às vezes a violência real dos manifestantes aparentemente não é vista como violência, desde que se aprove o motivo do protesto.)
A Primeira Emenda da Constituição americana também assegura a liberdade de não falar

Atualmente, parece haver um interesse considerável na história da opressão. Um aspecto digno de  investigação mais aprofundada pode ser a história do “discurso forçado”, de o indivíduo ser coagido a repetir o que lhe dizem e não o que pensa. O discurso forçado tem uma longa associação com regimes totalitários, como capturado no “ódio de dois minutos” obrigatório para os membros do partido gritarem com os inimigos do Big Brother, no 1984 de George Orwell.
Mesmo em Estados democráticos, há uma história de procurar impor conformismo ao pensamento e à fala, tanto por meio de medidas informais quanto pela lei. Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda à Constituição consagra o direito à liberdade de expressão. Os ativistas contra o discurso forçado já conseguiram fazer com que a Suprema Corte reconhecesse que a Primeira Emenda também assegura a liberdade de não falar. É um direito recusar-se a repetir a propaganda do governo ou seguir a linha de qualquer grupo político.
No passado, o discurso coercitivo era comumente associado a autoritários e tradicionalistas. Agora, são os ativistas empoderados que querem policiar os cidadãos por meio de sua campanha “Silêncio é violência”. As pessoas deparam com a possibilidade de ser evitadas e efetivamente canceladas, a menos que sigam um roteiro predefinido e repitam as mensagens corretas em público. Não há escolha sobre o que você diz ou pensa, nenhuma pergunta é tolerada. Em um sinal de mudança dos tempos, a União Americana das Liberdades Civis praticamente abandonou suas campanhas pela liberdade de expressão para todos e contra a fala forçada.
É possível ser antirracista e manter-se em silêncio

Diante dessa explosão de intolerância radical, com certeza é importante insistir que é possível opor-se inteiramente ao racismo e, ao mesmo tempo, ser absolutamente a favor da liberdade de expressão —  incluindo a liberdade de expressão compulsória.
Mais do que isso. Lutar pela liberdade de expressão tem sido a chave de toda luta por libertação e igualdade. Como o ex-escravo e ativista contra a escravidão na América Frederick Douglass declarou em 1860: “Liberdade não tem sentido se o direito de expressar os pensamentos e opiniões de alguém deixar de existir. De todos os direitos, esse é o pavor dos tiranos. É o direito que eles atacam antes de tudo. Eles conhecem seu poder. A escravidão não pode tolerar a liberdade de expressão”.
Por outro lado, aqueles que querem defender a liberdade, a igualdade e a justiça certamente devem tolerar a liberdade de expressão — a liberdade de “expressar seus pensamentos e opiniões”, ou não dizer absolutamente nada, em vez de repetir o que se é instruído a pensar e declarar —, não importa quem esteja dando as ordens.

Mick Hume é colunista da Spiked. Seu último livro, Revolting! How the Establishment Is Undermining Democracy — and What They’re Afraid of, foi publicado pela William Collins.

Revista Oeste