Todas as profissões têm seus conceitos, clichês, modismos e uma linguagem própria. A terminologia no futebol brasileiro é, às vezes, confusa, com excesso de nomes diferentes para a mesma coisa, com palavras e expressões que não são claras, explicativas, o que atrapalha quem é iniciante na compreensão do jogo. Quando se entende, fica mais prazeroso. Em Portugal, as palavras têm significado mais direto. Escanteio é tiro de canto, goleiro é guardião das redes.
Escuto, com frequência, que um atacante, mesmo central, não é um centroavante, porque se movimenta bastante, sai da área, como se centroavante tivesse de ser estático, apenas para ser pivô ou finalizador. Os centroavantes que fazem gols e que têm amplo repertório são os craques. Já os que somente empurram a bola para o gol são centroavantes artilheiros.
Firmino e outros atacantes são rotulados de falsos 9, por estarem em todas as partes do ataque, trocarem passes e participarem do jogo coletivo. De vez em quando, ouço que fui um falso 9 na Copa de 1970, já que, no Cruzeiro, eu era um meia-atacante. Na Seleção, eu era o centroavante, pois atuava pelo centro e era o atacante mais adiantado. Voltava para receber a bola, e o ponta Jairzinho entrava pelo meio para fazer gols, parecido com o que ocorre no Liverpool.
Tite tem tentado repetir, em parte, a estratégia do Liverpool, com Gabriel Jesus saindo da direita para o centro, para fazer dupla com Firmino ou para ocupar seu lugar, com fazem Salah e Mané.
Há décadas, os técnicos brasileiros dividiram o meio-campo em volantes que jogam recuados e que marcam e meias ofensivos que atacam. Ficou um vazio no meio-campo. Isso acontece pouco na Europa e começa a mudar no Brasil, com a formação de um trio no meio-campo, com um volante mais centralizado e um armador de cada lado, que defende, organiza, avança e joga de uma intermediária à outra. A maioria fala que são três volantes. São um volante e dois meio-campistas, que não são volantes nem meias.
Até os anos 1950, o jogador de meio-campo mais recuado e centralizado era chamado de centromédio. Nada mais claro e simples. A palavra dizia tudo. Era o jogador mais lúcido e de melhor passe no time. Depois, o centromédio passou a ser chamado de volante, porque havia, nessa posição, um jogador argentino, Carlos Martin Volante, que atuava no Flamengo. Transformaram o centromédio criativo em um volante brucutu.
Arão não é primeiro nem segundo volante. É centromédio. Gérson e Diego não são segundos volantes nem meias. São meio-campistas.
Nos últimos anos, mudou muito a terminologia no futebol brasileiro. Algumas palavras e expressões são explicativas, interessantes, como “propor o jogo”, “futebol reativo” e “passe entre linhas”, enquanto outras são confusas e estranhas, como “marcação alta” e “marcação baixa”. Prefiro chamar de marcação adiantada e recuada, já que alta é para cima.
O titês tem algumas coisas interessantes, às vezes, estranhas, pomposas, como “extremos desequilibrantes”. São meias ou atacantes pelos lados, que desequilibram, driblam o marcador. Tite não deveria abandonar o titês.
“As palavras não existem para enfeitar, e sim para dizer” (Graciliano Ramos). Não é fácil ser claro, direto, simples. Mesmo lendo, várias vezes, o que escrevi, acho sempre, quando minha coluna é publicada, que eu deveria ter feito diferente, melhor, sido mais claro. Um dia, aprendo.
Folha de São Paulo