Há muito se fala de como a conversa entre empresas e público deixou de ser um monólogo para, na era das redes sociais, se transformar num intenso diálogo —cheio de aprendizados e riscos. E o diálogo tem consequências.
Uma associação americana que reúne alguns dos CEOs mais importantes do mundo lançou novo compromisso baseado em proposição revolucionária: as empresas não devem mais seguir só os interesses de seus acionistas, mas da comunidade em geral, investindo em seus funcionários, protegendo o ambiente e tratando todos os seus “stakeholders” de forma justa e ética.
O histórico manifesto foi elaborado pela Business Roundtable, uma organização pró-business composta apenas por CEOs de empresas americanas, gente como Jeffrey Bezos (Amazon), Tim Cook (Apple), Mary Barra (General Motors) e Larry Fink (BlackRock).
A proposta de guinada brusca de orientação talvez não tenha repercutido tanto quanto sua ambição, dado o grau de desconfiança em relação ao grande capital e às grandes corporações. Desconfiança gerada justamente pela postura excessivamente focada no lucro, que o manifesto procura reorientar.
Vemos toda semana uma grande crise na relação de grandes companhias com o público. Inclusive no Brasil. Crises que podem envolver a relação da empresa com seus funcionários, com seus clientes, com o meio ambiente, com governos.
Diante de um público zangado e mobilizado, cresce a sensação de que é preciso mudar essa relação. O documento da Roundtable não especifica como a mudança deve ser feita. Parece mais um começo de DR do que um chamado à ação. Não será fácil nem há fórmula pronta. Cada empresa precisará buscar seu caminho de transformação. Mas já é um grande salto diante da antiga máxima de Milton Friedman de que a “responsabilidade social das empresas é aumentar seus lucros”.
Por enquanto há só promessas vagas de remunerar melhor funcionários, ampliando benefícios e treinamento; proteger o ambiente, adotando práticas sustentáveis, e promover diversidade, dignidade e respeito.
Os críticos acusaram a falta de medidas concretas e lembraram que as corporações estavam precisando se defender de ataques diários dos pré-candidatos democratas à Presidência, que acenam com medidas anticorporativas antes impensáveis de serem defendidas por líderes dos grandes partidos americanos.
Sou do time que reconhece os dados científicos. Eles apontam que a humanidade nunca viveu tão bem, segundo tudo o que pode ser medido: consumo de alimentos, acesso a bens e serviços, expectativa de vida... Atestam o sucesso do capitalismo como o sistema mais eficiente até aqui para gerar e distribuir prosperidade (mesmo que de forma desigual).
E uma das maiores forças do capitalismo é justamente seu dinamismo, sua capacidade de se abrir e incorporar pressões e inovações.
Para que as empresas possam mudar o foco do lucro líquido para o orgulho líquido e passem a atuar mais em prol de sua comunidade do que de seus acionistas, elas precisarão combinar isso com os russos, quer dizer, com seus investidores. Mas também nesse grupo não faltam sinais de mudança. Os fundos verdes são onda crescente nos mercados, e a corrida por tecnologias verdes é a nova corrida do ouro.
O capitalismo, como tudo, sempre precisa se reinventar. A concentração excessiva de renda é a serpente por trás dos maiores problemas da humanidade. O esbanjamento dessa liquidez é uma afronta. E o uso perdulário e inconsequente dos recursos do planeta é o caminho da destruição. Por isso, é fundamental que os grandes CEOs tomem para si uma pauta de estadistas.
Folha de São Paulo