A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou nesta quarta, 25, por 23 votos favoráveis, 3 contrários e um voto em branco, a indicação do subprocurador-geral da República Augusto Aras ao comando da Procuradoria-Geral da República (PGR). Em uma sabatina amigável, com pouco enfrentamento, Aras criticou temas caros ao governo do presidente Jair Bolsonaro, como a Operação Lava Jato, disse que lei de abuso de autoridade “pode produzir um bom efeito” e defendeu a legalidade do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – atual Unidade de Inteligência Financeira – informarem casos de irregularidades.
A defesa da atuação do Coaf surpreendeu senadores governistas e oposicionistas. Em julho, após um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho de Bolsonaro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu todos os processos judiciais em que houve compartilhamento de dados da Receita Federal, do Coaf e do Banco Central com o Ministério Público sem uma prévia autorização judicial. Flávio Bolsonaro estava na sabatina com Aras, nesta quarta-feira, 25, mas não se manifestou.
“Como é que vamos ignorar a doutrina clássica? Nós temos o dever de denunciar, de comunicar os ilícitos porventura existentes. Os auditores fiscais por isso estariam no dever de comunicar as eventuais irregularidades”, declarou Aras ao ser perguntado sobre as investigações do Coaf.
O subprocurador disse que, se seu nome for aprovaDo, não haverá, “submissão” ao governo Bolsonaro.
“Não há alinhamento no sentido de submissão a nenhum dos poderes, mas de respeito que deve a relação desses poderes”, afirmou Aras
O primeiro não representante da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) a ser indicado ao cargo desde 2003 criticou o corporativismo dentro da PGR. Aras afirmou que, se o “sistema” não estivesse contaminado pelo “fisiologismo, clientelismo e o toma lá dá cá” da lista, jamais haveria a hipótese do Ministério Público “pensar” em criar uma fundação para controlar recursos recuperados pela Lava Jato.
“Talvez tenha faltado nessa Lava Jato a cabeça branca, para dizer que tem certas coisas que pode, mas tem muitas outras coisas que nós não podemos”, afirmou Aras. O subprocurador defendeu ainda estender a estrutura da Lava Jato para mais Estados no País, mas respeitando o princípio da impessoalidade. “Nós poderíamos fazer tudo como ele (o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol) fez, mas com menos holofote, com menos ribalta”, disse.
As críticas à Operação Lava Jato agradaram senadores da oposição e parte da base do governo no Senado. Durante as observações sobre a atuação de Dallagnol, os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Cid Gomes (PSB-CE) acenaram positivamente com a cabeça em concordância com a fala de Aras. Calheiros, alvo de inquéritos no Supremo, disse que a escolha do procurador-geral foi “a melhor decisão” do presidente Jair Bolsonaro.
Contudo, o ataque ao procurador causou desconforto dentro da chamada bancada “lavajatista” na Casa, que defende a operação. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) alertou sobre as colocações do subprocurador. “Concordo com a importância da experiência, mas citando o patrono desta casa, Rui Barbosa, não se deve deixar se enganar pelos cabelos brancos porque os canalhas também envelhecem”, afirmou Vieira.
Em outro contraponto à ala “lavajatista”, que apoia o pacote anticrime proposto pelo ministro da Justiça Sergio Moro, Aras afirmou que a legislação atual sobre a isenção de pena a policiais que causarem morte em operações – a chamada excludente de ilicitude – não precisa ser alterada.
“A excludente de ilicitude já estava prevista no Código Penal. Me parece que não teria maior necessidade do novo regramento, mas o júri político há de prevalecer”, disse Aras. Em outro ponto, porém, defendeu uma proposta apresentada por Moro, a que prevê a prisão de condenados em segunda instância. Ressalvou, porém, que o processo “não suprima o direito a recursos e ao habeas corpus”.
Criticado dentro da categoria de procuradores por não ter passado pelo escrutínio dos pares, Aras externou um posicionamento que desagradou os colegas procuradores, a defesa da lei de abuso de autoridade aprovada pelo Congresso Federal nesta terça-feira, 24.
“Ontem esta Casa reduziu, derrubou metade dos vetos (presidenciais), reduzindo a 18 vetos. E com isso, eu creio, acredito que temos no Brasil, hoje, uma lei de abuso de autoridade que pode alcançar, sim, a finalidade social a que se dirigia a norma e pode, sim, produzir um bom efeito, porque é preciso que quem trate com a coisa pública tenha o respeito devido ao cidadão”, disse Augusto Aras.
Nos grupos internos do MPF, procuradores defendem que seja apresentada uma ação direta de inconstitucionalidade contra trechos da lei de abuso de autoridade, o que pode ser feito por meio de associações ou pela própria Procuradoria-Geral da República. A reação às falas de Aras na sabatina foi de desaprovação, para boa parte do MPF.
Ao fundo da comissão, o presidente da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), Fábio George Nóbrega, assistia à sabatina na condição de “observador”. “Essa é a primeira oportunidade de acompanharmos as falas do indicado à PGR, de fazer o escrutínio público. O MPF no país inteiro está observando. Depois vamos analisar”.
Defendida por Aras, a aprovação da Lei de Abuso foi criticada na sessão pelo líder do PSL, Major Olímpio. “É lamentável, sob todos os aspectos. Defendi, com mais 35 Senadores, que o Presidente vetasse tudo. Não vetou. E ontem, o Congresso brasileiro ainda entendeu de derrubar mais da metade dos vetos. Só vejo favorecimento para o crime e para o criminoso.”
SUPREMO
BOLSONARISMO. Durante 5h 32min de sabatina, o subprocurador fez questão de afirmar, mais de uma vez, que vai ter atuação de independência em relação ao presidente Jair Bolsonaro. Aras disse na abertura e repetiu outras duas vezes durante a sessão, que o “alinhamento” entre PGR e o governo não significaria “submissão”.
“Não há alinhamento no sentido de submissão a nenhum dos poderes, mas de respeito que deve a relação desses poderes”, afirmou Aras
O subprocurador da República deu outros sinais de “afastamento” ao bolsonarismo durante a sabatina. Ao justificar a sua adesão a uma carta da Associação de Juristas Evangélicos, revelado no início pelo Estado no início do mês, em que a defesa de “valores cristãos” , da prática de “cura gay” e não reconhecimento a famílias constituídas a partir de relações homoafetivas.
“Eu sou delegado de polícia há 27 anos, eu sou professor de Direito há 20, estou senador da República. Eu tenho muito orgulho da minha família, eu tenho um filho. O senhor não reconhece a minha família como família? Eu tenho subfamília? Porque esta carta diz isso, senhor procurador. E diz mais: estabelece cura gay. Eu sou doente, senhor procurador?”, questionou Fabiano Contarato sendo aplaudido por senadores como Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (REDE-AP).
O documento expõe argumentos contra questões como o aborto, sobre tributação de igrejas, sexualidade, refugiados e ensino, entre outros temas. Entre eles o não reconhecimento de família, na esfera pública, composta por uma união homoafetiva. “A instituição familiar deve ser preservada como heterossexual e monogâmica.”
“Não quero jamais dizer a vossa excelência e nem a ninguém que não tenha família. Isso não passa pela minha cabeça. Eu sou um cidadão deste tempo, que é o tempo de vossa excelência, e sou um cidadão que estudo culturas”, afirmou o subprocurador completando:
“Tenho amigos e amigas que têm casamento homoafetivo. E o casamento é como um contrato. Na contemporaneidade, ele é assim entendido; na minha geração, era uma instituição. Como contrato, hoje ele é assim entendido na via jurídica e no próprio Direito Canônico. O casamento, como contrato, pode merecer toda a proteção”.
O clima favorável fez com que parte dos 19 parlamentares inscritos abrissem mão do direito de questionar o subprocurador. O governo não mandou nenhum representante. Nem mesmo o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), compareceu nas primeiras horas de sabatina. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, esteve pela manhã no início da sabatina e voltou, à tarde, para o encerramento. Em nenhuma das duas ocasiões, ele se pronunciou.
Diferente de antecessores, que levaram outros membros da instituição a tiracolo em sinal de força – Raquel Dodge, por exemplo, levou para a sabatina o ex-PGR Roberto Gurgel -, Augusto Aras chegou ao Senado acompanhado apenas da esposa, a subprocuradora-geral da República, Maria das Mercês de Castro Gordilho, e dois assessores de imprensa. Logo na chegada, ele anunciou que abriu mão da Sociedade Advogados, escritório que mantinha com a família na Bahia, e entregou seus documentos emitidos pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Aras foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 5 e, desde então, percorreu os gabinetes de 78 dos 81 senadores. Apenas o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) não aceitou receber afirmando que seria “perda de tempo”. Outros dois parlamentares que não tiveram encontro com o subprocurador, o senador Jader Barbalho (MDB-PA) e a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), ambos afastados das atividades por licença médica.
Renato Onofre, Daniel Wertemann e Breno Pires, O Estado de São Paulo