segunda-feira, 23 de setembro de 2019

BC revisa dados e rombo nas contas externas cresce 46,60% em 2018

Banco Central anunciou nesta segunda-feira, 23, uma ampla revisão de dados do setor externo brasileiro, que alterou as estatísticas contabilizadas desde 2015. O resultado foi um retrato pior do balanço de pagamentos, com déficits maiores da conta corrente e investimentos produtivos menores no Brasil.
Os dados revisados do BC mostraram que, em 2018, o déficit em conta corrente somou US$ 21,946 bilhões. O rombo é 46,60% superior aos US$ 14,970 bilhões contabilizados originalmente. O resultado da conta corrente traduz a relação do Brasil com outros países nas áreas comercial (exportações menos importações), de serviços (gastos com viagens e aluguel de equipamentos, entre outros) e de rendas (pagamentos de juros e remessas de lucros, entre outros).
Exportações
Exportações e importações são alguns dos indicadores avaliados nas contas externas 
Foto: Marcio Fernandes / Estadão
Já o Investimento Direto no País (IDP) caiu com as revisões de dados. Em 2018, conforme a nova metodologia, estrangeiros investiram no Brasil o equivalente a US$ 76,817 bilhões. O valor é 13,03% inferior aos US$ 88,324 bilhões anunciados originalmente.
Os dados mais recentes, de 2019, mostraram déficit em conta acumulado de US$ 30,277 bilhões de janeiro a agosto, pela nova metodologia. Já o IDP acumulado no período foi de US$ 41,213 bilhões. Sem as revisões, o déficit seria menor e o IDP, maior.
Essas revisões ocorreram para refletir de forma mais adequada o que de fato vem ocorrendo na relação entre o Brasil e o restante do mundo. O chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, explicou que, em 2006, uma lei eliminou a cobertura cambial obrigatória das exportações. Isso significa que, ao vender para outros países, uma empresa brasileira deixou de ser obrigada a internalizar todos os recursos provenientes das exportações.
"A partir da lei, tornou-se possível deixar estes dólares, ou uma parcela deles, no exterior. Depois, houve regulamentações. De início, 30% no exterior. Depois, 100% no exterior", explicou Rocha.
De acordo com o chefe do Departamento de Estatísticas, ao não ocorrer a internalização de recursos, o BC perdia, naquele momento, a fonte de dados de informações para o balanço de pagamentos. "Com isso, perdíamos (a identificação das) receitas que as empresas deixavam no exterior, mas também o que era feito com estes recursos", disse.
A partir da utilização de novas fontes de dados - como as respostas das empresas à pesquisa de Capitais Brasileiros no Exterior nos últimos dois anos -, foi possível ao BC identificar de forma mais precisa o que era feito com os recursos que ficavam lá fora.
Uma das constatações foi de que as empresas utilizavam parte dos recursos das exportações para quitar operações intercompanhias - aquelas em que uma empresa no exterior empresta recursos para filiais no Brasil. Isso fez as operações intercompanhias de 2018, por exemplo, saírem de US$ 32,323 bilhões antes da revisão para 20,840 bilhões depois da revisão. Como a rubrica de operações intercompanhias está dentro do cálculo do IDP, o resultado foi de queda do investimento direto no ano passado.
"A revisão se concentra fundamentalmente nos dados de 2017 e 2018, mas há mudanças já a partir de 2015", explicou Rocha. "A principal lacuna de informações no balanço de pagamentos brasileiros eram os chamados créditos comerciais ativos e passivos", detalhou.
Em 2018, o saldo da conta de créditos comerciais ativos - formada pela exportação de produtos, mas não internalização de recursos - era de US$ 51,2 bilhões. Com a utilização das novas fontes de dados, a revisão das estatísticas do balanço de pagamentos apontou para um crédito comercial ativo de US$ 7,3 bilhões.
Essa diferença de US$ 43,9 bilhões foi realocada em outras rubricas do balanço de pagamentos de 2018. O principal destino (US$ 25,4 bilhões) foi a quitação de dívidas, reduzindo o crédito comercial passivo. Também houve amortização de US$ 11,5 bilhões em operações intercompanhia, cujo saldo caiu de US$ 32,323 bilhões para US$ 20,840 bilhões.
A revisão trouxe ainda US$ 2,6 bilhões de aumento nas despesas com juros, incremento de US$ 1,8 bilhão na despesa líquida de serviços e alta de US$ 1,7 bilhão na despesa na renda secundária do ano passado.
“Melhoramos a qualidade das estatísticas, o que levou a déficits maiores nas contas externas e ingresso menor de IDP, mas a sustentabilidade das transações correntes continua inalterada”, defendeu Rocha.
Para ilustrar esta afirmação, ele lembrou que, antes da revisão, o rombo de US$ 14,970 bilhões das contas externas em 2018 foi coberto pelo IDP de US$ 88,324 bilhões. Com os dados revisados, o déficit de US$ 21,946 bilhões foi coberto pelo IDP de US$ 76,817 bilhões. A diferença diminuiu, mas o investimento direto foi ainda mais do que três vezes o rombo da conta corrente.

Bancos

O BC também promoveu melhorias nas estatísticas ligadas aos bancos, o que provocou revisões nas séries a partir de 2015. Pelas regras em vigor, uma operação entre instituição financeira no exterior e um banco no Brasil, de um mesmo grupo, é tratada como empréstimo comum - e não como operações intercompanhias. Portanto, não impacta o IDP.
Rocha explica que o BC buscou informações mais detalhadas sobre as empresas não residentes e, em muitos casos, elas deixaram de ser qualificadas como instituições financeiras e passaram a ser enquadradas como não financeiras. Isso gerou uma reclassificação das operações como sendo intercompanhias, o que impactou o IDP.
O resultado mais visível nas estatísticas é que, em 2015 e 2016, os empréstimos intercompanhias subiram, enquanto a taxa de rolagem recuou - neste caso, porque as operações deixaram de ser enquadradas como empréstimos comuns.

Fabrício de Castro e Eduardo Rodrigues, O Estado de S.Paulo