sexta-feira, 5 de julho de 2019

"Nada de útil", por J.R. Guzzo

A elite pensante do Brasil, que se imagina capaz de saber o tempo todo o que é o melhor para cada um de nós, frequentemente lembra o personagem do samba Mocinho Bonito — o clássico pé-rapado de uma Copacabana de outras eras, que passa a vida fingindo ser o que não é. 
O mocinho, para quem nunca ouviu a história, é “o perfeito improviso do falso grã-fino”, que “no corpo é atleta, no crânio é menino”, e “além do ABC nada mais aprendeu”. 
Como conta a letra da canção, ele tem “pinta de conde” — mas nessa pinta só “se esconde um coitado, um pobre farsante que a sorte esqueceu”. 
Olhe a nossa elite aí. 
Ela convenceu a si própria, e tenta convencer o resto do Brasil, de que é a única classe de gente neste país realmente capacitada a pensar — e, por via de consequência, como gostava de dizer um antigo político de Minas Gerais, a responsável exclusiva por definir o que são virtude e vício, e separar o certo do errado. 
Mas na vida real não é nada disso. 
As cabeças que hoje pretendem falar por todos os brasileiros são puro dinheiro falso; por trás da sua pose de conde, o que existe é apenas a média da mediocridade nacional vigente.
O que é, na prática, essa elite — ou quem faz parte dela? Não é, com certeza, a “zelite” do ex-presidente Lula, um ente em estado gasoso que ele mesmo jamais conseguiu definir. 
(Como não explica, supõe-se que a “zelite” seja apenas o conjunto dos seres humanos que não estejam de acordo com ele — porque milionário, gente que manda, empresário “campeão”, empreiteiro de obra e o resto dessa turma nunca tiveram um amigo de fé-irmão-camarada tão dedicado quanto Lula.) 
Também não é aquilo que os livros de sociologia definem como “burguesia nacional”, nem o pessoal que vai a shopping center, nem a “classe A” dos institutos de pesquisa, ou, simplesmente, quem tem mais dinheiro que você. 
A elite a que se refere este artigo é a classe social descrita por ela mesma como civilizada, instruída, progressista, “antenada” — as pessoas que se consideram habilitadas, em suma, a dizer como o Brasil deve ser governado e como o brasileiro deve se comportar. 
Antigamente, nos países tidos como cultos, esse bioma social era chamado de intelligentsia.  
Aqui, considerando-se a soma do que elas pensam, querem e dizem, formam a burritsia.
“Antigamente, nos países cultos, havia a ‘intelligentsia’. Aqui é a ‘burritsia’”
Basicamente, faz parte da elite pensante quem influi em alguma coisa, ou se acha capaz de influir. 
É quem aparece no jornal, fala no rádio e dá entrevista na televisão. 
É o “especialista” — quer dizer, o sujeito que se especializa, quase sempre, em dizer aquilo que os comunicadores sociais querem que ele diga. 
É quem dá aula na universidade — ou, pelo menos, está em sua folha de pagamento. 
Em geral, esses indivíduos consideram-se “europeus”, embora tomem Nova York, Harvard e as vanguardas americanas do que se chama “diversidade” como santuários da civilização moderna. 
Acham que o povo brasileiro é altamente insatisfatório. Gosta de combate à corrupção, quando deveria gostar da OAB. 
Gosta de político ladrão na cadeia, quando deveria gostar do Congresso. Gosta da polícia, quando deveria gostar da Anistia Internacional, da CNBB e do STF. 
Não sabe votar, quando elege candidatos vetados por quem tem qualificação para pensar corretamente em política; por causa de sua ignorância, despreparo e maus hábitos, acaba escolhendo gente errada para governar o país. 
Têm horror a Donald Trump. 
Vivem preocupados com o avanço da direita mundial. 
Nunca vão a manifestações de rua desautorizadas — ou seja, tidas como ameaça potencial às instituições.
Qual a utilidade de falar disso? Uma delas é sugerir uma regra que pode ajudar o leitor a economizar tempo e ansiedade: se a maioria da elite pensante, a autoridade intelectual e os “especialistas no assunto” estão dizendo alguma coisa, pela mídia ou em seus discursos, acredite no exato contrário. 
Dificilmente você estará errado. 
Na mesma linha, quando lhe disserem que 2 mais 2 são 22, coisa que acontece com frequência cada vez maior, não se impressione; estarão dizendo apenas um disparate. 
Continue acreditando que são 4 — é garantido que você vai se dar bem. 
Nove vezes em dez, o que parece ser a lógica será mesmo a lógica. 
É bom sempre ter em mente, enfim, quem está dizendo uma boa parte do que se ouve o tempo todo por aí. 
Parecem figuras muito sérias. 
Mas são apenas o perfeito improviso do falso entendido, que por trás da pose de conde nada têm a oferecer de útil a alguém. 
Enquanto o mundo avança cada vez mais em busca da inteligência artificial, nossa elite está fazendo o possível para descobrir justo o contrário.

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