sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

A saída de Maduro é a porta da rua, afirma chanceler de Bolsonaro

O ministro das Realções Exteriores, Ernesto Araújo, em entrevista coletiva no Palácio do Itamaraty Foto: SERGIO LIMA/AFP
O ministro das Realções Exteriores, Ernesto Araújo, em entrevista coletiva no Palácio do Itamaraty
Foto: SERGIO LIMA/AFP

Em sua primeira entrevista coletiva desde a posse de Jair Bolsonaro na Presidência, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, admitiu conversar com países que propõem uma saída negociada para o impasse na Venezuela, onde o líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se declarou presidente interino no último dia 23 de janeiro e foi reconhecido por 19 países liderados pelos Estados Unidos, incluindo o Brasil. Araújo, no entanto, afirmou que a condição do governo brasileiro é que o resultado de qualquer discussão seja a saída de Nicolás Maduro do poder.

— Em alguns casos, esses grupos podem ser úteis, mas temos receio que sirvam, como no passado, para a perpetuação da ditadura. A saída para Maduro é a porta da rua — afirmou o chanceler, referindo-se ao Grupo de Contato Internacional criado na quinta-feira pela União Europeia, que vai funcionar durante 90 dias e se propõe a promover eleições livres na Venezuela. Numa proposta paralela, México e Uruguai se ofereceram para mediar um diálogo entre Maduro e a oposição.
Na entrevista, na qual voltou a acusar Maduro de ligação com o narcotráfico, o crime organizado e o terrorismo, Araújo disse que a participação do Brasil nesse tipo de iniciativa é possível se houver esforços diplomáticos "sinceros e bem intencionados". Mas ressaltou que, de forma geral, essas negociações servem para prolongar situações indesejadas.
— Não se pode dizer que isso é um esforço de mediação. Uma mediação pressupõe que há dois atores legítimos. Isso deve ficar bem claro.
O Brasil, assim como outros 46 países, não reconhece a legitimidade do segundo mandato de Maduro, para o qual ele tomou posse no último dia 10, alegando que a reeleição do chefe de Estado foi obtida em um pleito sem condições mínimas de participação democrática. Nem todos desse grupo, no entanto, reconheceram Guaidó como chefe de Estado interino.
Araújo disse ainda, que, com a saída de Maduro, quando a Venezuela de fato se tornar uma democracia, as chances de o país voltar a fazer parte do Mercosul são bastante grandes. Esse é um tema que está na agenda do governo brasileiro e dos demais sócios do bloco, afirmou.
— Com a democracia restabelecida, é possível pensar na volta ao Mercosul em médio prazo, desde que sejam cumpridos os requisitos democráticos. É uma possibilidade concreta.
Questionado sobre o que será feito se Maduro não deixar o poder em curto prazo, Araújo citou sanções em estudo pelo governo brasileiro e afirmou que o Brasil defende o aumento da pressão diplomática sobre o atual regime venezuelano. Segundo ele, o não reconhecimento da legitimidade de Maduro faria com que os militares venezuelanos que ainda não apoiam Juan Guaidó e a população venezuelana em geral se convencessem de que a situação precisa mudar.
— Isso causa mais pressão para que os venezuelanos possam ir às ruas e que aqueles que ainda mantêm algum tipo de lealdade à ditadura percebam que não têm perspectiva nenhuma em ser leais ao regime anterior.
Araújo participará na próxima segunda-feira, no Canadá, de uma reunião do Grupo de Lima, formado por 14 países do continente e criado especificamente para discutir a situação na Venezuela.
O POSICIONAMENTO DIPLOMÁTICO
DOS PAÍSES SOBRE A VENEZUELA
Pela saída de Maduro
Pela permanência de Maduro
EUA e Brasil capitaneiam este grupo, que não admite a permanência do regime chavista no poder sob qualquer circunstância. Ao todo, 19 países já reconheceram Guaidó como presidente interino, 16 deles no continente
Aliadas importantes do regime, Rússia e China consideram a pressão sobre Maduro uma intervenção externa indevida na política venezuelana. Turquia e Irã também adotam essa posição
Pelo diálogo
Por eleições livres
México e Uruguai não aderiram à posição anti-Maduro de parte expressiva do continente e defendem o diálogo. Já convocaram uma conferência internacional dos “países neutros” em fevereiro para debater a questão
A UE é a principal expoente desse posicionamento, defendendo eleições livres e pacíficas como saída para a crise. Vários países do bloco ameaçaram reconhecer Guaidó se não houver eleições
O ministro disse que o Brasil tem mantido contato para tratar da Venezuela especialmente com Colômbia, Chile e Estados Unidos. Questionado sobre o apoio dado a Maduro por China e Rússia, que são hoje os maiores credores da Venezuela, ele respondeu:
— Esperamos que China e Rússia vejam eles mesmos a realidade da Venezuela.
O ministro atribuiu ao governo Bolsonaro o fato de hoje haver perspectiva de redemocratização na Venezuela. Ele disse que, em conversas com líderes da oposição daquele país, ficou claro um cenário formado por três fatores: há um genocídio silencioso, "com uma política deliberada de Maduro de fazer o povo passar fome e ficar sem medicamentos"; o regime venezuelano não é algo nacional, segundo disse, mas parte de um esquema internacional gestado pelo Foro de São Paulo, reunião de partidos de esquerda do continente; o regime de Maduro é sustentado pelo crime organizado, o narcotráfico e o terrorismo.
Na mesma chave retórica de Araújo, o vice-presidente americano, Mike Pence, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, e o presidente colombiano, Iván Duque, também se pronunciaram nesta sexta-feira sobre a situação na Venezuela, rejeitando uma negociação entre governo e oposição. Duque disse que as horas de Maduro "estão contadas", e Bolton sugeriu que o venezuelano aproveite a oportunidade e fuja para uma praia, antes que acabe na prisão de Guantánamo, em Cuba, para onde os Estados Unidos levaram os prisioneiros de sua "guerra ao terror".
— Este não é o momento para diálogo. É o momento para ação —  afirmou Pence em um comício na Flórida. — A hora chegou para pôr fim à ditadura de Maduro de uma vez por todas.

Mudança da embaixada em Israel

Ernesto Araújo também falou na entrevista sobre a possibilidade de o governo transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Disse que o assunto ainda está sendo estudado e que a ideia faz parte do processo de elevação do patamar das relações com os israelenses. Frisou que não é intenção do Brasil aborrecer a comunidade árabe.
— Estamos estudando a questão da possível transferência, examinando todos os aspectos e ideias e estamos abertos. Qualquer que seja a decisão, temos a determinação clara de que não é uma atitude contra os países vizinhos de Israel. Não esperamos que isso seja visto como  uma atitude negativa — disse ele.
Desde que Bolsonaro anunciou, antes mesmo de tomar posse, que poderia remover a embaixada para Jerusalém, os países árabes — maiores compradores de carnes do Brasil — protestaram e levaram sua queixa  ao vice-presidente, Hamilton Mourão. Jerusalém, cujo setor oriental (árabe) é reivindicado pelos palestinos como a capital do seu futuro Estado, não é reconhecida pela ONU como capital de Israel.
Eliane Oliveira, O Globo