terça-feira, 16 de outubro de 2018

"Comida de restos", por Fernão Lara Mesquita

Hoje vamos de pedaços de artigos, anotações e pesquisas feitas no decurso da apuração do primeiro turno que não tive ocasião de publicar.
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Os perdedores desta eleição estão tão distantes da realidade aqui de baixo que – é prova disso o modo errático como conduziram suas campanhas – mal entenderam a razão do seu fiasco (...) o PSDB voluntariamente deixou de existir como instância de resistência democrática contra o lulismo, que, em última instância, foi a razão alegada para a sua fundação. É um caso freudiano (...) há meia dúzia de eleições que o discurso de campanha do PSDB tem sido o de negar o PSDB. Fazer-se mais lulista que o Lula. Essa atitude patológica não responde a uma “patrulha” vinda de fora, muito menos a uma demanda de seus eleitores. Ao contrário. É um problema deles com eles esse dos avôs do partido que mais uma vez, no momento mais crítico do Brasil, negaram a uma massa imensa de eleitores órfãos a paternidade pela qual eles estavam implorando.
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A ficha limpa pôs Jair Bolsonaro no jogo, mas é o que o PT e seus asseclas têm imposto ao País para além do que lhes autorizam os votos que recebe que lhe tem feito a vida. A antidemocracia é a essência do PT. A mentira, a colonização do Estado, do sistema de educação e das mídias que invadem os lares. As chicanas jurídicas, os passa-moleques institucionais. Mais que a corrupção, é o crime que se orgulha de si mesmo que indigna o Brasil. A inversão de valores. A subversão de todos os fundamentos e de todas as hierarquias é o que produz a identificação entre Jair Bolsonaro e seu eleitorado. Como representante autêntico do segmento da corte que está mais próximo da rua; como integrante da última instituição regida por uma hierarquia que resta, ele tem uma forte intuição do quanto tudo isso inquieta a sociedade e não se acovarda diante da patrulha, como todos os demais. É simples a “fórmula mágica”...
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O Brasil bandeou-se para sempre para o lado da democracia. Mas entre querer fazer e saber fazer há um longo caminho que bordeja todos os abismos. Secar com o santo remédio do voto a mina de ódio do lulismo que fez este país adoecer é a condição para a continuação da conversa. Mas hoje o divórcio entre o Brasil oficial e o Brasil real é de tal ordem que é difícil saber quanto dele é intencional e quanto já é “ponto 2”, desligamento inconsciente, de segunda geração, darwiniano, alienação mesmo. É tão diferente da nossa a condição de vida que a corte montou para si, e há tanto tempo, que esses dois brasis simplesmente perderam contato um com o outro. Têm referências e prioridades opostas, atribuem significados diferentes a conceitos-chave. “Impopular”, “direito”, “conquista”, “legalidade”, “carreira”, “trabalho”, “competição”, “elite”, “classe dominante” frequentemente são entendidos pelo seu exato avesso no léxico de uns e dos outros.
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Tente explicar a um estrangeiro (não os soldadinhos da claque do PT, mundo afora, que pulam quando Lula estala o dedo) por que, com 13 milhões de desempregados, 20 milhões de subempregados e todos os outros brasileiros com a água a meio centímetro do nariz, os candidatos à eleição mais disputada de todos os tempos podem discutir aumento de impostos em voz alta, mas não podem sequer cogitar de tocar num único dos “direitos adquiridos” das corporações estatais, esses 0,5% dos eleitores que consomem quase integralmente os 40% do PIB que o governo nos arranca à custa de deixar os outros 99,5% à margem da competição global por empregos.
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O problema do Brasil é político, nunca foi econômico. A voz do povo está absolutamente ausente dos centros de decisão e isso explica todos os nossos outros aleijões. Nada, portanto, vai mudar consistentemente antes que se faça uma reforma política consistente. Mas cortado da discussão do futuro pela ocupação da academia pela censura gramsciana, tudo o que o País conseguiu para responder ao desafio da “tomada do poder” pelo PT são as referências do seu próprio passado, que definitivamente não levam à criação automática de canais desimpedidos entre o País real e o País oficial. Estamos na estaca zero. Teremos de construir do nada o nosso caminho para uma democracia de fato “representativa”, tarefa que depende estritamente de uma reconciliação nacional que no momento parece improvável.
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O que diferencia as democracias dos regimes autoritários é a extensão dos poderes dos eleitores sobre os representantes eleitos para antes e para depois do momento das eleições. Poder de decisão em eleições primárias acaba com o caciquismo, primeira fonte da corrupção, e abre as portas à renovação. O direito de retomada de mandatos recria na forma de uma hierarquia, como deve ser, a relação entre os representados e os representantes. E os de referendo das leis dos legislativos e confirmação periódica de juízes em suas bancas asseguram que a vontade popular não será mais usurpada. O que põe um sinal positivo ou negativo nessa fórmula é o voto distrital puro, o único que cria uma identificação perfeita e objetivamente aferível entre representantes e representados. Sem isso caímos nas mãos dos “movimentos sociais” que o PT e seus boulos amestrados querem pôr no lugar do Congresso Nacional.
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No jornalismo aprende-se rapidamente que toda “solução” é só o início do próximo problema. O presente “sistema” necessariamente corrompe a tudo e a todos. E um país não pode trabalhar debaixo do tiroteio incessante do “combate à corrupção”. É uma lástima que tanto os partidos velhos quanto os “novos” não apontem as deformações básicas do “sistema”. Para todos vale o “comigo vai ser diferente porque eu sou honesto”. Essa honestidade, mesmo quando existe, não dura um mandato e meio. Só uma coisa pode endireitar o “sistema”: toda a força ao eleitor. Aí, sim! Honestidade ou morte!
Revogar a velha ordem para estabelecer uma que mudasse definitivamente o eixo do poder valeria, sim, até uma anistia.
JORNALISTA

O Esado de São Paulo