quarta-feira, 19 de setembro de 2018

"Até quando a habilidade política de Trump será subestimada?", por Patrick Cockburn



Trump durante coletiva de imprensa na Polônia nesta semana - JIM WATSON / AFP


WASHINGTON - Antes de sua eleição como presidente, era compreensível que os críticos de Donald Trump subestimassem muito a sua habilidade como político. É muito menos desculpável — e prejudicial para uma oposição efetiva a Trump — que continuem a subestimá-lo quase dois anos depois da sua vitória.

Toda semana, revelações mostram que o governo Trump é caótico, incompetente e corrupto. As mais recentes foram um artigo anônimo publicado no “New York Times”, no qual um de seus funcionários de alto nível alega trabalhar contra ele, e o livro de Bob Woodward, que retrata a Casa Branca como uma espécie de zoológico humano.



A imprensa relata alegremente essas notícias bombásticas, na esperança de que elas finalmente afundem, ou pelo menos danifiquem seriamente, o velho barco de Trump. Este tem sido o padrão desde que ele anunciou a sua candidatura presidencial, mas isso nunca acontece. Comentaristas políticos, quase todos contrários ao presidente, expressam perplexidade com a sua sobrevivência, mas tal é o seu ódio e desprezo por ele, que não veem que estão lidando com um político excepcionalmente hábil.

Suas habilidades podem ser instintivas ou extraídas de sua vasta experiência como um showman na televisão. A prioridade número um é dominar a agenda de notícias, seja a publicidade boa ou ruim. Dia após dia, meios de comunicação hostis como o “New York Times” e a “CNN” publicam histórias sobre Trump, e deixam todo o resto de lado.

A imprensa não faz isso a menos que saiba que é isso o que o público quer. Trump é uma obsessão americana, ainda maior do que o Brexit no Reino Unido. Um amigo meu conheceu recentemente um grupo de cantores americanos em turnê pela Irlanda. Eles lhe disseram que se comprometeram a passar um dia inteiro sem mencionar Trump, mas não tinham conseguido uma só vez.

Essa tática de dominar as notícias por meio da geração contínua de manchetes bombásticas, independentemente das críticas que elas trazem, não é nova, mas é muito mais difícil de fazer do que parece. O ministro do Exterior do Reino Unido, Boris Johnson, tenta repetir o mesmo truque, mas sua retórica superaquecida parece artificial.

Trump nunca é chato: é um ponto simples e central para o seu sucesso, mas ao qual raramente se confere importância suficiente. Durante a campanha presidencial, os partidários de Hillary Clinton reclamaram que Trump recebia quantidades excessivas de tempo grátis na televisão, enquanto os discursos dela eram ignorados ou recebiam atenção inadequada.


A razão não foi um viés pró-Trump — muito pelo contrário, dadas as simpatias políticas da maioria das pessoas na mídia — mas porque os discursos de Hillary eram chatos e os dele não. Ele tem o jeito bem aprimorado de sempre dizer algo que os jornais não podem deixar passar em branco.

Um exemplo disso é a resposta que escreveu no Twitter nesta semana, a uma reivindicação do CEO do JPMorgan Chase, Jamie Dimon, de que ele poderia “vencer” Trump em uma eleição presidencial e é durão e mais esperto do que ele. Essa boba ostentação não era lá uma grande notícia, até que Trump publicou: “O problema do banqueiro Jamie Dimon concorrer à presidência é que ele não tem aptidão ou 'inteligência' e é um palestrante fraco e é todo bagunçado e nervoso — de resto, ele é maravilhoso”.

Poucos políticos ou jornalistas poderiam ser tão incisivos em uma única frase.

Trump é visto com uma mistura peculiar de medo e subestimação por todos os adversários, desde os líderes do Partido Democrata até os chefes de Estado da UE. Eles acreditam — com razão — que Trump é um monstro e esperam — sem nenhuma — que isso signifique que ele um dia irá implodir. Isso seria profundamente conveniente para todos eles, porque, até que isso aconteça, eles não precisam agir por conta própria. Trump vai passar como um pesadelo. Não é necessário que os líderes da UE ou líderes democratas elaborem e expliquem políticas que os deixariam expostos a críticas.

Às vezes, essa política de sentar de braços cruzados e não fazer nada até os seus oponentes cometerem um erro é a correta. Mas ela carrega o grave risco de criar um vácuo de informação que será preenchido por seus inimigos. Durante a eleição presidencial, foi fácil ridicularizar as promessas vazias de Trump de trazer empregos industriais para os EUA, mas ele não precisou dizer muito sobre isso, porque Hillary geralmente não dizia nada.

Trump está em guerra com as instituições do governo dos EUA. Isso não é surpreendente: os presidentes dos EUA invariavelmente se frustraram com a sensação de que eles reinarão, mas não governarão. Uma explicação convincente para a queda de Richard Nixon é que diferentes ramos da burocracia usaram o escândalo de Watergate para frustrar a sua busca por poder e se livrar dele.

Eles ainda podem ter sucesso no caso de Trump. Muitos americanos querem testemunhar uma sequência de Watergate com Trump no papel principal. Mas isso é quase impossível de se fazer sem ter o controle do Congresso, e um motim de burocratas contra um presidente eleito não será aceitável para muitos eleitores.

O funcionário anônimo da Casa Branca do “New York Times” diz que faz parte de um grupo dentro do governo que prometeu frustrar os "impulsos mais equivocados do Sr. Trump". 

Este é o mais recente levante de "adultos na sala", que vão impedir que o governo dos EUA abandone as políticas essenciais à sua existência.


O problema é que esses “adultos” estão promovendo políticas que geralmente são tão perigosas quanto qualquer coisa que Trump tenha em mente, ou talvez até mais. Por exemplo, Trump disse que os EUA deveriam aos poucos retirar seus 2.000 soldados, apoiados pela Força Aérea, para fora do Nordeste da Síria. Este seria um movimento sensato para negociar, porque os EUA têm influência restrita no país e não podem determinar o curso dos acontecimentos sem uma guerra em grande escala.

Trump não é "isolacionista" no sentido clássico, mas seu instinto é evitar guerras ou situações que possam levar a uma. Conversar com Kim Jong-un e Vladimir Putin pode não produzir nada de muito substancial, mas torna a guerra menos, e não mais, provável. No entanto, as divisões nos EUA são tão profundas que os comentaristas liberais denunciaram Trump com veemência, chamando-o de traidor por se encontrar com outros líderes mundiais, em termos que o senador McCarthy teria admitido há 70 anos.

É fácil simpatizar com a raiva deles. Trump é a pior coisa que aconteceu com os EUA desde a Guerra Civil. Calcular mal seus pontos fortes e fracos, contudo, não é a maneira de lidar com ele. Sua capacidade quase miraculosa de sobreviver a escândalos repetidos me lembra o que o diplomata, político e escritor Conor Cruise O'Brien escreveu sobre Charlie Haughey, o líder político irlandês, que era notório por sobreviver contra as probabilidades, em circunstâncias desafiadoras parecidas. "Se um dia eu encontrar o Sr. Haughey enterrado à meia-noite em uma encruzilhada, com uma estaca atravessada em seu coração, devo continuar a usar um dente de alho no pescoço, por precaução".




The Independent