A venda do controle da divisão de aviões comerciais da Embraer à americana Boeing tornou-se um dos temas sensíveis do debate eleitoral. O anúncio do acordo preliminar para o negócio de 4,75 bilhões de dólares, em julho, levou alguns candidatos a dizer que, se eleitos, vão usar o direito do governo de vetar a transação. A ameaça não abala a confiança do CEO da Boeing, Dennis Muilenburg. Para ele, a venda será aprovada pelo governo atual ou pelo próximo. O avanço das negociações, acredita Muilenburg, vai mostrar — aos políticos e à sociedade — os ganhos advindos da parceria, em investimentos que vão gerar empregos e beneficiar os fornecedores. Ele vai além: diz enxergar potencial para o desenvolvimento conjunto de projetos na área de defesa. O executivo americano, 54 anos, engenheiro aeroespacial de formação, afirma que o setor atravessa uma era dourada de inovações e prevê, ao longo da próxima década, a chegada ao mercado dos aviões hipersônicos, do transporte autônomo aéreo nas cidades e dos voos na órbita baixa da Terra. Muilenburg, um apaixonado pelo ciclismo de estrada, disse que pretende celebrar o esperado desfecho do acordo pedalando com funcionários da Embraer no Brasil. A seguir, sua entrevista a VEJA, concedida por videoconferência, de Chicago.
A Boeing tentou comprar a Embraer inteira, mas, diante da resistência do governo brasileiro, aceitou assumir apenas o controle da divisão de aviões comerciais. Por que o negócio é tão importante para a Boeing? Temos muito respeito pela Embraer. Já tive o privilégio de conhecer a equipe da empresa em projetos passados e sempre fiquei muito bem impressionado pelos talentos e pela capacidade técnica da Embraer. Foi por meio dessa colaboração de anos que concluímos que seria benéfico juntar esforços. Enxergamos muito valor nessa parceria para nossos clientes, que são as companhias aéreas. A combinação de produtos e serviços vai ser a melhor do mercado e beneficiará os empregados das duas empresas, que, juntas, estão em 150 países. É um mercado de 8 trilhões de dólares pelos próximos dez anos. Nossas linhas de produtos são complementares, com aviões de diferentes tamanhos, sem que haja sobreposição. O negócio será benéfico para as duas companhias.
O principal sindicato de trabalhadores da Embraer diz que o negócio põe em risco 13 000 empregos. É uma ameaça real? Esperamos ampliar nossa presença no Brasil a longo prazo. Planejamos investir mais no país e aumentar a capacidade da Embraer, criar mais empregos nas áreas de engenharia e de produção. Vemos o negócio, portanto, como algo que vai gerar crescimento para o Brasil.
Haverá alguma garantia de preservação dos empregos? Estamos comprometidos em ter um centro de excelência na aviação comercial no Brasil para aeronaves com 100 a 150 assentos. Estamos comprometidos com outra joint venture (uma associação entre as companhias) para o KC-390 (o novo avião de transporte militar da Embraer), também com base no país. Parte do acordo vai incluir suporte de engenharia e de outras áreas a fim de garantir uma base técnica e de trabalhadores no Brasil. São vários acertos que darão às pessoas a confiança de que vamos continuar a investir no país a longo prazo. Vamos pôr os termos no papel.
O que vai acontecer com fornecedores da Embraer que produzem componentes com custos mais elevados do que os da Boeing? Parte da vantagem de unir as companhias será integrar a cadeia de fornecedores e ganhar eficiência. Será vantajoso para a Embraer e a Boeing negociar em conjunto, como uma única empresa. Francamente, acredito que isso será positivo para os fornecedores porque terão acesso a mais mercados e encomendas maiores, não só para componentes de novas aeronaves como para a prestação de serviços.
Quais os objetivos para a parceria na área de defesa? Já temos um acordo com a Embraer para ajudá-la a ampliar o mercado para o KC-390. Tive a oportunidade de conhecer o avião. É um produto muito impressionante, com forte apelo no mercado. Se juntarmos o grande modelo que é o KC-390 com o acesso a clientes no mundo inteiro, algo que nós proporcionamos, será uma chance extraordinária de impulsionar os negócios para a Embraer e o Brasil na área de defesa. Vejo oportunidades para trabalhar em conjunto em uma linha de produtos mais ampla ao longo do tempo, e acredito que o KC-390 pode ser o primeiro grande exemplo de como as duas empresas podem ser bem-sucedidas juntas. Podemos construir a indústria de defesa no Brasil em conjunto e, a partir daí, usar essa experiência como um catalisador de oportunidades no futuro.
Há o temor de que o Brasil perca a capacidade para desenvolver alta tecnologia. O centro de pesquisas da Embraer pode ser transferido para os Estados Unidos?Pretendemos não só manter como ampliar o centro de pesquisa e desenvolvimento da Embraer no Brasil. É parte do investimento previsto. Já fizemos muita pesquisa em conjunto em áreas como tecnologia em biocombustível de aviação e temos planos para aprofundar essa parceria em outras áreas. Um dos principais investimentos que a Boeing faz é nas pessoas, em treinamento e em colaboração com universidades e instituições acadêmicas. Desenvolvemos talentos para o futuro. E pretendemos trazer essa política para o Brasil.
O Brasil vai eleger um novo presidente em outubro. Alguns candidatos já disseram que são contra o negócio. O senhor teme que o novo governo vete a operação? Estamos atentos às eleições brasileiras, mas esperamos fechar o negócio. É importante para a Boeing ter o apoio do governo, mas penso que, à medida que as negociações avancem, ficará muito claro que o acordo entre Embraer e Boeing vai criar valor para o Brasil, empregos, desenvolvimento para o setor e crescimento econômico. Acredito que esses benefícios vão ficar muito claros e que isso atrairá o apoio do governo.
O que se pode esperar de mais inovador em cinco a dez anos na aviação?Vivemos um momento empolgante na indústria aeroespacial. É uma nova era dourada. Estamos levando mais inovação ao mercado do que em qualquer outro momento da história, na forma de novos aviões ultraeficientes e ambientalmente corretos. Ao longo da próxima década, vamos ampliar o foco em aeronaves supersônicas e hipersônicas. Estamos testando tecnologias de propulsão que vão permitir que os aviões alcancem de cinco a seis vezes a velocidade do som. Certas viagens longas poderão ser feitas em apenas duas horas. De cinco a dez anos, veremos soluções no transporte em áreas urbanas com alta densidade populacional. Haverá táxis aéreos autônomos. A Embraer está trabalhando nisso também.
Um dos maiores obstáculos para os aviões supersônicos é o custo elevado. Será possível superá-lo? Essa ainda é a principal barreira, sem dúvida. O desafio é chegar a um modelo de negócio em que haja demanda suficiente de viajantes dispostos a pagar um prêmio em troca da velocidade. Vejo progressos, há diferentes modelos em estudo. As companhias aéreas já existentes podem oferecer o voo, mas também novas startups que queiram trabalhar com aviões supersônicos e construir as próprias redes de viagem.
Haverá um dia em que as aeronaves serão totalmente controladas por robôs?Com o tempo, a tecnologia autônoma estará mais integrada aos aviões e poderá oferecer assistência aos pilotos em situações de emergência. Mas a decisão final sobre se voos comerciais poderão ocorrer com cabines não tripuladas caberá às autoridades de regulação e dependerá também da aceitação pelos passageiros. Acredito que a tecnologia autônoma será utilizada inicialmente, na aviação comercial, para o transporte de carga. Mas ela já está sendo ostensivamente aplicada na área de defesa.
Quando os voos para o espaço vão se tornar realidade para pessoas comuns?Acredito que vão se desenvolver rapidamente na próxima década. Estamos trabalhando em uma cápsula chamada CST-100 Starliner, com capacidade de chegar a uma estação espacial na órbita baixa da Terra. Hoje a Estação Espacial Internacional é o único destino possível, mas, com o tempo, acreditamos que algumas companhias vão desenvolver locais como hotéis espaciais para que as pessoas façam turismo. Haverá fábricas que poderão ser visitadas. À medida que aparecerem mais destinos, será necessária uma infraestrutura de transporte para levar e trazer visitantes. Isso vai permitir a criação de um ecossistema espacial. Muitas empresas além da Boeing estão se dedicando a reduzir os custos de lançamento para o espaço, como a SpaceX e a Blue Origin. A órbita baixa terrestre será um lugar turístico comum.
E qual será a primeira companhia a chegar a Marte? A Boeing! Estamos trabalhando no primeiro foguete e em um sistema de lançamento com a Nasa. Também estamos construindo o primeiro veículo. A companhia vem se preparando para os primeiros testes de lançamento em 2019. O plano é, primeiramente, voltar à Lua. Depois, estabelecer a Lua como porta de entrada para a missão até Marte. Para mim, está muito claro que o único foguete capaz de chegar à Lua e depois a Marte é o que está sendo desenvolvido pela Boeing e pela Nasa.
Das vendas de aeronaves comerciais da Boeing, 80% destinam-se a clientes estrangeiros. Como a guerra comercial desencadeada pelo governo americano com a China afeta os negócios da companhia? Obviamente, o comércio global é muito importante para a Boeing. Estamos conversando com líderes nos Estados Unidos e na China para que entendam as vantagens de uma indústria aeroespacial saudável para ambas as economias. Estimamos que, nos próximos vinte anos, o mundo vá precisar de cerca de 43 000 novas aeronaves, das quais pouco mais que 7 000 na China. O país asiático está se beneficiando do rápido crescimento dessa indústria: o tráfego doméstico de passageiros cresce a um ritmo de 6% a 8% ao ano. De modo similar, no lado americano, à medida que fabricamos mais aviões, criamos mais empregos e levamos prosperidade ao país. Estamos, portanto, mostrando aos dois governos que é preciso buscar uma solução produtiva.