segunda-feira, 10 de setembro de 2018

"Quem acredita na Argentina?", por Rodrigo Botero Montoya

A Argentina volta a ocupar as manchetes da imprensa financeira internacional com notícias acerca da fuga de capitais, desvalorização acelerada do câmbio e medidas desesperadas, tais como uma taxa de juros do Banco Central de 60% anual. Anunciam-se cortes drásticos do gasto público, assim como a viagem do ministro da Fazenda a Washington para renegociar o recente acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que se mostrou ser insuficiente para restabelecer a estabilidade financeira. O governo do presidente Mauricio Macri está sofrendo as consequências de fatores externos que escapam a seu controle, complementadas por desacertos de gestão econômica que contribuíram a uma perda generalizada de confiança, que reduz sua margem de manobra.

Este novo episódio na turbulenta trajetória da história financeira argentina mostra que uma crise econômica acaba por se transformar numa crise política. De fato, o fracasso da estratégia de estabilização e de crescimento adotada no início do governo desacreditou a equipe econômica e lança dúvida sobre as possibilidades de reeleição de Macri em 2019. 

Em vez de alcançar a meta de inflação de 15% para este ano, espera-se uma cifra da ordem de 35%. Em vez de retomar o caminho do crescimento, estima-se que haverá uma queda da atividade econômica. Por sua vez, a incerteza acerca da eventual sucessão de Macri alimenta a aversão ao risco dos investidores nacionais e estrangeiros. 

Essas vicissitudes da nação meridional evocam um sentimento de déjà vu. Parece que algum destino trágico condenou os argentinos à desordem nas finanças públicas e ao descumprimento de seus compromissos contratuais com os credores internacionais. A pergunta do presidente Macri sobre o motivo para que o risco-país da Argentina era tão alto, a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, o lembrou que em 2002 sua nação havia declarado insolvência, e que a comunidade internacional não esquecera. Adquirir a reputação de ser um mal pagador acaba sendo uma prática custosa. 

A recorrência das crises financeiras também exacerbou o ceticismo dos argentinos em relação aos anúncios de austeridade de seus governantes. Quando a moeda nacional se desvaloriza e a inflação se acelera, como ocorreu agora, o reflexo condicionado de indivíduos e empresários é guardar dólares, comportamento que contribui para agravar o problema.

A persistente acumulação de desequilíbrios fiscais reduz a efetividade da política monetária e dificulta o controle da inflação. Registrar níveis de inflação de dois dígitos, ano após ano, impede que o país disponha de um mercado local de capitais significativo. Essa carência leva tanto o governo como as empresas a buscar crédito externo para se financiar. O que torna a Argentina particularmente vulnerável às oscilações dos fluxos de capitais aos mercados emergentes. A adversidade tem o efeito de concentrar a mente. É de esperar que o governo aproveite essa crise para impulsionar as reformas que a Argentina precisa.



O Globo