sexta-feira, 7 de setembro de 2018

"Outro poste a ser eleito", por Rogério Furquim Werneck

O enredo é mais do que conhecido. Condenado em segunda instância por corrupção, em janeiro, e preso, em abril, o candidato que contava com a preferência de um terço do eleitorado viu-se incurso na Lei da Ficha Limpa. E, embora estivesse legalmente fadado a ter o registro da sua candidatura negado, continuou mantendo a coreografia de quem pretendia disputar a qualquer custo a eleição presidencial.

Enganaram-se os que imaginaram que a tão aguardada decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre o registro da candidatura do ex-presidente Lula, na semana passada, encerraria de vez a tortuosa novela política que vem sendo urdida há meses pelo PT.
Instado a apresentar em dez dias outro candidato a presidente da República, o PT parece ter decidido lançar mão de todo o prazo a que terá direito para dar nova sobrevida a sua novela, fazer amplo uso do horário eleitoral gratuito para contestar a decisão do TSE e brandir a suposta determinação do partido de redobrar a aposta na candidatura de Lula.

É inegável que a decisão de adiar ainda mais a formalização do nome de Fernando Haddad como candidato a presidente vem assegurando ao PT grande evidência na mídia.

Mas ao custo de comprometer, talvez de forma fatal, a transferência de votos que se fará necessária, em escassos 30 dias, para que seu novo candidato consiga chegar ao segundo turno. Em que extensão, preso em uma cela em Curitiba, Lula será capaz de transferir votos a Fernando Haddad é uma questão que tem sido objeto de intenso debate entre analistas políticos.

A se julgar pelos programas veiculados pelo PT no horário eleitoral, o partido pretende colocar todas as suas fichas na exploração da associação de lembranças difusas de sensação de prosperidade do eleitor de baixa renda com a imagem de Lula.

Uma das maiores evidências da incompetência política dos partidos adversários do PT é terem permitido que Lula continue a explorar tal associação, eximindo-se de qualquer culpa por Dilma Rousseff ter deixado a economia em escombros.

Por enquanto, pelo menos, os adversários do PT foram incapazes de lembrar ao eleitorado que foi de Lula, e só dele, a estapafúrdia ideia de entregar a Presidência da República a uma pessoa tão despreparada para o cargo. Tendo empurrado a candidatura de Dilma pela goela abaixo do próprio PT, Lula permitiu-se partir para o vale-tudo, em 2010, para, a qualquer custo, fazer do seu poste presidente. E, ainda que a contragosto, voltou a insistir no mesmo despropósito, em 2014, ao reelegê-la com renovado empenho.

Consumado o desastre, de proporções nunca vistas, Lula vem conseguindo se dissociar com incrível sucesso de qualquer responsabilidade pelo sinistro, graças à providencial incompetência de seus adversários políticos.

O ex-presidente volta a se deparar, agora, com o desafio de guindar mais um poste ao Palácio do Planalto. Fernando Haddad não chega a ser um poste novo. Lula já o guindou à Prefeitura de São Paulo, em 2012. Mas não conseguiu repetir o feito em 2016. E o que se teme no PT é que, desta vez, a transferência de votos se revele mais difícil, especialmente no Nordeste, onde hoje se concentra a grande massa de eleitores de Lula.

É preciso também ter em conta que o cumprimento do script reservado a Haddad, nos capítulos finais da novela concebida em Curitiba, vem erodindo sua imagem nos segmentos mais esclarecidos do eleitorado petista. Ao mansamente aceitar atuar como bonifrate de Lula, tendo que o consultar, a cada passo, para saber se deve respirar pelo nariz ou pela boca, Haddad não se vem dando ao respeito que se poderia esperar de um candidato a presidente da República. E levantando dúvidas sobre a autonomia que efetivamente teria caso fosse eleito.

Tampouco lhe ajuda a angariar votos de eleitores mais esclarecidos sua cega disposição de subscrever sem qualificações o irresponsável programa econômico do partido, na contramão do que hoje se faz necessário para que o país consiga sair do colossal atoleiro em que foi metido.


O Globo