A menos de 45 dias do primeiro turno da eleição presidencial, é hora de confrontar os enormes desafios com que o país se depara com as reais possibilidades de avanço que serão abertas pelo desfecho do processo eleitoral em curso.
Não é pouco o que se espera do próximo presidente: lucidez no diagnóstico, convicção sobre o rumo a seguir e capacidade de articulação política para assegurar governabilidade e explorar os limites do possível nas negociações com o Congresso. É com base nesses requisitos que terão de ser avaliadas as possibilidades do próximo governo, em diferentes desfechos da eleição presidencial. E, nessa avaliação, é importante saber separar o que é análise do que é simples torcida e autoengano.
A questão crucial é como assegurar uma saída ordenada do colossal atoleiro fiscal em que o país foi metido que possa viabilizar a retomada do crescimento econômico sustentado. A gravidade do quadro fiscal já não deixa espaço para que o novo governo tergiverse sobre a mudança de regime fiscal que se faz necessária.
Não é o caso de prometer consolidação fiscal imediata. A experiência recente mostrou quão eficaz pode ser um esforço de ajuste fiscal gradual, desde que sua credibilidade seja respaldada por uma sequência de medidas efetivas convincentes, a começar pela reforma da Previdência. É preciso saber deflagrar um círculo virtuoso, em que bons resultados na economia reforcem o apoio do Congresso à persistência do ajuste fiscal.
Mas é bom não alimentar ilusões. A próxima legislatura não será muito diferente da atual. E esse é um dado de realidade que tanto os candidatos a presidente como seus eleitores terão de ter em mente. É com um Congresso muito similar ao de hoje que o novo presidente terá de saber lidar.
Como os candidatos a presidente se sairiam no desafio de retirar o país do atoleiro fiscal em que foi metido para que possa retomar o crescimento? Entre os principais candidatos, Jair Bolsonaro é um dos que inspiram mais preocupação, tendo em vista suas gritantes limitações.
Submetido, já há nove meses, a um programa intensivo de adestramento e doutrinação, o candidato continua incapaz de juntar três frases articuladas, que façam um mínimo de sentido, sobre qualquer tema relacionado à política econômica. E, por aversão ao risco, tem preferido se refugiar em deprimentes alusões ao “posto Ipiranga”.
Sua balbuciante e constrangedora resposta à pergunta que lhe foi feita por Reinaldo Azevedo, no debate da Rede TV!, sobre a dívida pública federal, deixou mais do que clara, para quem quisesse perceber, a real extensão do seu despreparo para tecer considerações, mesmo triviais, sobre questões básicas de política econômica.
Mas as dificuldades de Bolsonaro não se resumem ao aprendizado. O candidato tem-se mostrado também refratário ao intenso programa de doutrinação que, supostamente, permitiria, em fantástica metamorfose, transformar o político primitivo e clientelista, de alma estatizante, que ele mostrou ser por três décadas, em um paladino da responsabilidade fiscal e do liberalismo econômico.
É bem sabido que Bolsonaro continua resistindo às ideias do seu mentor sobre questões tão fundamentais como intensidade do esforço de ajuste fiscal, abrangência do programa de privatização, reforma da Previdência e restrições ao investimento estrangeiro.
Se, uma vez eleito, Bolsonaro se desentender com seu mentor, que ideias acabarão prevalecendo? As ideias arraigadas — e equivocadas — que acumulou ao longo de mais de 60 anos? Ou as que, supostamente, lhe vêm sendo incutidas às pressas, ao longo dos últimos nove meses, sobre as quais ainda não mostra nenhuma convicção?
O que não falta por aí é posto com loja de conveniência e gente disposta a dar orientações a um presidente perplexo. Deus sabe a qual deles Bolsonaro acabará recorrendo. Mas é preciso muito autoengano para acreditar que, se rompido com seu atual mentor, o candidato certamente recorrerá a um novo “posto Ipiranga” que lhe dê orientações similares às que hoje vem recebendo.
O Globo