BUENOS AIRES — Pouco mais de 12 horas após o Senado ter aprovado, por unanimidade, o pedido do juiz federal Claudio Bonadio para realizar buscas em residências da senadora e ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), indiciada e alvo de uma investigação por suposta corrupção, uma equipe da Polícia Federal argentina chegou ao apartamento da ex-chefe de Estado, localizado no bairro portenho da Recoleta.
O local aparece mencionado nos já famosos “cadernos de Centeno”, escritos ao longo de dez anos por um ex-chofer do Ministério do Planejamento. No material, em mãos da Justiça, Centeno, atualmente uma testemunha protegida, descreve em detalhes operações de pagamento e recebimento de propinas envolvendo ex-funcionários kirchneristas e empresários relacionados a concessões de obras públicas.
Bonadio trabalha com a hipótese de que durante os governos Kirchner existiu uma associação ilícita formada por altos funcionários do Executivo, do Ministério do Planejamento e empresários privados. Nos últimos dias, mais de 20 empresários foram indiciados e vários aceitaram declarar como arrependidos, na tentativa de obter condenações mais brandas.
Nos cadernos, o ex-chofer assegura ter levado dinheiro ao apartamento dos Kirchner na Recoleta e, também, à residência presidencial de Olivos. Além de agentes da Polícia Federal, chegaram ao lugar testemunhas escolhidas pela Justiça e pesquisadores da Polícia Científica, com uma série de elementos técnicos para vasculhar o apartamento.
Em tom irônico, um dos advogados da ex-presidente, Gregório Dalbón, assegurou que “a esta altura não encontrarão mais nada”.
As portas do apartamento foram abertas por outro advogado da senadora, Carlos Beraldi, que acusou Bonadio de cometer atropelos e anunciou que sua cliente denunciará o juiz e pedirá seu julgamento político.
— Aqui não querem encontrar nada, querem, apenas, fazer um show midiático — declarou Beraldo, irritado.
Cristina, que na véspera votou a favor de dar sinal verde ao pedido de Bonadio, não foi vista no apartamento. Esperam-se, ainda, buscas em imóveis da antiga família presidencial na província de Santa Cruz, terra natal do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007), falecido em 2010. Segundo Claudio Uberti, ex-funcionário do Ministério do Planejamento atualmente preso e um dos que depôs como arrependido, no dia em que Kirchner morreu havia US$ 60 milhões no apartamento da Recoleta.
Nos cadernos de Centeno o ex-chofer descreve como as propinas eram transportadas em malas e sacolas e levadas, até mesmo, de avião até Santa Cruz.
Num discurso furioso, a senadora aceitou as revistas em suas residências, impondo apenas algumas condições, como a proibição de que meios de comunicação pudessem entrar junto com os policiais. A
nalistas locais avaliaram nesta quinta-feira que o discurso de Cristina da noite de quarta foi claramente o discurso de uma pessoa que já está em campanha para as presidenciais de 2019 e usará as ações de Bonadio para vitimizar-se. De fato, a ex-presidente comparou-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e disse que ambos são vítimas de “uma operação regional para fazer desaparecer dirigentes populares”.