A maior certeza sobre um bom crítico de arte é sua capacidade em avaliar incertezas. Um dos mais influentes críticos dos EUA, estrela do jornal “New York Times”, A.O. Scott assina o artigo “Como estar errado”, publicado pela revista “Serrote” (com lançamento previsto para esta quinta, às 19h, na Travessa do Shopping Leblon). No texto, ele discorre sobre o que acredita serem erros de sua especialidade — tais como o uso excessivo de adjetivos, a falta de perspectiva histórica e o apego a grifes.
O artigo faz parte do livro “Better living through criticism” (algo como “Viver melhor com a crítica”), de Scott, inédito no Brasil.
Em seu texto, fica a ideia de que toda a crítica deve ser enxergada por uma lente dissonante. É isso mesmo?
Já que a crítica não lida com fatos checáveis, pois não é e não pode ser uma ciência, as discussões são infinitas. Isso significa que, do ponto de vista de um crítico ou de um grupo de críticos, outro crítico ou grupo de críticos estará sempre errado. A dissonância é parte do processo, apesar de, obviamente, algumas posições terem se estabelecido ao longo do tempo. Em geral, porém, acredito que uma argumentação forte e veemente é o acerto da crítica. O consenso é muito menos interessante.
Pluralidade de vozes é importante, mas quando milhares escrevem sobre um filme, a ponto de confundir adjetivos com argumentos e tomates com análise (referência ao agregador de resenhas rottentomatoes.com), qual o sentido da crítica de cinema hoje?
Durante a maior parte da história da sétima arte, milhões de pessoas foram às salas de cinema sem ler ou se preocupar com críticas. Elas eram motivadas por instinto, propaganda, a força do hábito e opiniões dos amigos. Os críticos geralmente escrevem, admitamos ou não, para um público menor, de fato interessado em resenhas. São pessoas que querem ler mais, pensar sobre o que viram ou interessadas em aprofundar discussões sobre este ou aquele filme. Isso ainda é verdade. É importante para críticos, leitores e redatores insistirem em escrever algo que seja intelectualmente ousado e rigoroso, uma alternativa ao discurso superficial e comercial. Se você escreve para a grande imprensa, em seu próprio blog, uma newsletter ou plataforma de mídia social, importa mesmo é que você tenha algo a dizer. E que o diga da melhor forma que puder. Ter uma opinião não é fazer uma crítica. Defender essa opinião, aí sim, é.
‘É uma tolice imaginar que a crítica envolve a aplicação de padrões objetivos e externos que nada têm a ver com gosto pessoal’
- A.O. SCOTTCrítico de cinema
Como lida com seus gostos pessoais? Você tenta deixá-los de lado quando escreve uma crítica?
É uma tolice imaginar que a crítica envolve a aplicação de padrões objetivos e externos que nada têm a ver com gosto pessoal. A experiência é a base do julgamento crítico, e essa é a única coisa que não pode ser falsificada. Mas, para ser de todo interessante, a crítica tem que ser mais do que apenas a expressão de gostos e desgostos pessoais. É vital sujeitar suas próprias premissas e preferências ao escrutínio crítico. Afinal, os gostos mudam. Ser crítico do “New York Times” significa que nem sempre escolho o que escrevo. Tive que aprender a apreciar gêneros e estilos que não eram meus favoritos. Não posso simplesmente dizer “não gosto de filmes de terror” toda vez que escrevo sobre uma produção do gênero. Preciso identificar um conjunto de critérios que me permitam entender o que pode distinguir um bom filme de terror de um ruim, dentro dos parâmetros de minhas próprias sensibilidades.
Por que os críticos em geral são tão odiados?
Críticos são bodes expiatórios convenientes e necessários, tanto para artistas quanto para o público. Quando digo que é nosso trabalho estar errados, é em parte porque muitas vezes somos contrários à opinião popular ou desafiamos as aspirações do artista sobre seu próprio trabalho. Isso traz uma certa impopularidade. Mas os críticos também incorporam a tendência humana universal de julgar, e no mundo moderno tendemos a ser ambivalentes em relação a julgamentos. É indelicado. Confunde as operações suaves da economia do consumidor. E levanta questões desagradáveis.
Há alguns anos, um tuíte que você escreveu sobre “Inside Llewyn Davis: Balada de um homem comum” foi usado pelo estúdio na campanha de promoção do filme para o Oscar. Isso o incomodou?
O que me incomodou foi que avisei “vocês não podem colocar o tuíte no anúncio”, e eles usaram mesmo assim. Mas achei graça na forma como ele foi apresentado — em página inteira na edição impressa do meu próprio jornal. Desde então, tenho sido mais cauteloso ao expressar opiniões em redes sociais, em parte para evitar que minhas palavras sejam apropriadas dessa forma e também porque, se vou expressar uma opinião sobre um filme, prefiro ser pago para isso.
André Miranda, O Globo