Corrupção, baixaria e até violência são alguns dos detalhes sórdidos que emergem do “cadernogate”, mas faltam muitas lágrimas pela Argentina
A velocidade com que a Argentina se aproxima rapidamente de mais uma fase de paroxismo aumenta a cada dia.
Por exemplo, que notícia escolher como mais simbólica num dia em que autoridades judiciais fizeram buscas nas três residências da ex-presidente Cristina Kirchner, com autorização aprovada por unanimidade no Senado, e saiu o tamanho da derrocada na atividade econômica, 6,7% em junho?
Ou talvez seja preciso recuar um dia e registrar a reação repugnante de uma senadora kirchnerista, María Inés Pillatti Vergara, à aprovação das buscas por colegas de partido, um sinal forte de que o peronismo, tal como o resto do país, está entrando em autofagia.
“Querem ficar bem com as senhoras gordas que ontem fizeram manifestação, mas lá no bairro isso se chama traição.”
A referência é a um protesto de mulheres contra o fogo privilegiado. Chamar de gordas mulheres de posição política contrária é até pouco comparado ao que Cristina Kirchner fazia: humilhava mulheres de seu próprio entorno.
A informação consta do mar de revelações espantosas feitas por Claudio Uberti, um dos arrecadadores de subornos que resolveu fazer um acordo de delação premiada depois que o caso dos “cadernos da propina” engolfou o país.
Os cadernos registram as anotações detalhadas feitas durante dez anos por um motorista que acompanhava a inesgotável entrega de sacolas de dinheiro pagos por empresários que ganhavam contratos públicos.
O dinheiro ia diretamente para os endereços particulares ou oficiais dos Kirchner, primeiro Néstor, o ex-presidente que morreu em 2010, quando já tinha garantido, através da mulher, a continuidade da roubalheira.
“Se com Néstor era impossível trabalhar, com Cristina era muito pior”, relatou Uberti.
“Cristina tinha uma forma terrível de interagir com as pessoas. Não cumprimentava ninguém, insultava seus colaboradores, principalmente as mulheres.”
ESTILO GEDDEL
É difícil imaginar como ela podia ser pior, considerando-se que o marido batia ou mandava bater em assessores.
O próprio Uberti levou um soco, fora os palavrões e os gritos de que precisava “entregar mais” – a área de “entrega” dele era como superintendente de anéis viários, certamente um campo promissor.
Também relatou o que aconteceu com um funcionário do cerimonial que ousou atrasar a entrega de jornais a Kirchner durante uma viagem a Madri.
Néstor Kirchner mandou seu secretário particular, o ex-motorista Daniel Muñoz, “dar três” socos, tão violentos que deixaram o funcionário Ruben Zacarías caído no chão.
“Assim tratamos os traidores”, disse Kirchner, notório pelo temperamento furibundo. Especialmente se envolvia dinheiro: Uberti viu pessoalmente o presidente esmurrar sacolas de dinheiro de propina levadas a seu gabinete porque misturavam euros com pesos.
No dia em que Néstor Kirchner morreu de infarte, “havia 60 milhões de dólares em seu apartamento” – o mesmo que agora foi revistado por ordem judicial.
Segundo descrição de Claudio Uberti, o apartamento parecia o mocó do ex-ministro Geddel Vieira Lima, atualmente no sistema prisional.
Uma vez ele viu umas vinte sacolas num quarto, aguardando transporte por via aérea para a casa da família Kirchner em Río Gallegos.
Esta é a cidade da província de Santa Cruz, na Patagônia, onde o casal começou sua carreira criminosa disfarçada de política distributivista, lançando solidamente as bases do desastre econômico que agora assola a Argentina, alimentado por decisões equivocadas do presidente Mauricio Macri.
E TEM O PRIMO
Devastado pelo buraco que só aumenta de tamanho, Macri tem um problema adicional. Seu primo e herdeiro do maior grupo empresarial do país, do qual se afastou para entrar na política, é um dos vinte empresários que já fizeram acordos de delação premiada desde que apareceram nos “cadernos da propina”.
O fio que começa em Angelo Calcaterra, um milionário com cabelo de jogador de futebol argentino que quando a coisa ficou feia decidiu se apresentar de forma voluntária para contar como pagava subornos maciços para que “afrouxassem a pressão”, dificilmente deixará de levar a Franco Macri, o pai do presidente.
O criador do grupo já foi um entusiasta da administração Kirchner – não existe nenhum brasileiro que não imagine os motivos.
Segundo uma análise feita na revista Perfil, “o peronismo não kirchnerista acredita que em dezembro a Argentina explode”, empurrada para o abismo pelo ciclo de desvalorização contínua do peso e de aumento da inflação.
Macri tem chance zero de reeleição, segundo esta análise, e os peronistas tradicionais estão posicionando seus cavalinhos para 2019.
Já o peronismo kirchnerista está vendo que “la jefa” caminha inelutavelmente para o sistema prisional.
O que vai acontecer primeiro?