sexta-feira, 4 de novembro de 2016

"Lula perde o eixo", editorial da IstoE

Carlos José Marques


Lula não sabe mais o que falar. Depois da hecatombe que dizimou o seu partido ficou desnorteado. Disse que negar a política é ficar nas mãos da elite. Na prática, reclamou do voto nulo, do voto em branco, do não voto, dos que estão repudiando a política convencional. Logo ele que, assim como a sua pupila Dilma, tratou de encarnar a própria negação da política ao se recusar a votar. Vai entender! As abstenções de ambos nas eleições do último domingo coroaram a derrocada petista e simbolizaram a contradição em si que sempre marcou atos e palavras desses dois mandatários. O que pregam, pedem e prometem não se escreve. Ou, no mínimo, não vale para eles, obedecendo ao velho ditado do “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Comportamento claramente autoritário, diriam alguns. Propaganda enganosa de princípios, apontariam outros. De qualquer maneira, é emblemático notar que Lula, em especial, tem uma visão muito peculiar de seu papel na sociedade, como se estivesse acima ou ao largo das regras de boa conduta que servem aos demais. Ainda nos idos de 88, no papel de vestal da moralidade, questionando os chamados crimes do colarinho branco, apontou que “rico não vai pra cadeia, vira ministro”. Soou premonitório. Tempos depois, ele mesmo, numa clara manobra para escapar das investigações da justiça, urdiu nos gabinetes palacianos um plano para virar ministro de Dilma. Não deu certo por intervenção do Supremo. Na semana passada, ato contínuo a ausência nas urnas, o líder do PT soltou a pregação regimental para alunos de uma universidade: “Nós temos que aprender que cada vez mais, ao invés de a gente negar a política, a gente tem que fazer política, porque a desgraça de quem não gosta de política é que é governado por quem gosta”. Quem o ouviu poderia facilmente confundi-lo com um fervoroso defensor de ensinamentos democráticos. Mas democracia não casa com abstenção nas urnas. Como alguém pode ir às ruas pedir voto quando se recusa a dar o seu próprio? Lula teve dessa vez a pachorra de reclamar de algo que ele mesmo fez. E se superou. No primeiro turno, ainda movido por bravatas, apostou alto. Afirmou que o PT iria surpreender nessa eleição e provocou os paulistas: “Se o povo de São Paulo tiver a inteligência que pensa que tem, ele não tem outra coisa a fazer que não seja votar no Haddad”. Errou feio. Nos dois casos. Há algo de cretinice naqueles que tentam julgar o voto alheio. Lula só gosta do jogo que lhe é favorável. Do contrário, fala em sabotagem, protesta. Quando Dilma estava para sofrer o impeachment ameaçou não sair mais das ruas. Na verdade a abandonou à própria sorte. Às vésperas da sova que levou nas eleições municipais, voltou a repetir a cantilena dizendo que correria o País a alertar a população. Sumiu de cena após a lavada. Lula decerto perdeu o eixo. Não sabe mais o que fazer. Seus correligionários partem em debandada. Ao menos 40 parlamentares do partido estão dispostos a fundar uma nova sigla na qual Lula, réu e na iminência da prisão, não deve ter papel de destaque. Muitos, às centenas, foram embora em definitivo da legenda, desiludidos com a bandalheira, com as patéticas desculpas, com as práticas endêmicas de enriquecimento ilícito, com a fama petista – difícil de limpar – de agremiação criminosa. A maioria não quer sequer Lula por perto. Os candidatos, de Norte a Sul do País, pediram para ele se afastar durante a campanha, temendo a contaminação de sua má reputação. Deplorável fim para quem já comandou as massas. Lula e o PT que ele criou não são mais sequer arremedo daqueles tempos gloriosos nos quais ambos pregavam o interesse da maioria em primeiro lugar. Nos últimos dias, tudo que buscaram foi o poder a qualquer preço e unicamente a seu favor e da patota.
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