quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O PT encolhe, o PSDB muda de cara e os evangélicos avançam

MARCELO MOURA E GABRIELA VARELLA, COM GABRIELA NAVALON - EPOCA

O novo mapa astral da política numa possível prévia do cenário de 2018


João Dória. (Foto: Renato Gizzi/Brazil Photo Press / Ag. O Globo)

Tal qual o Sistema Solar, em que oito planetas refazem, indefinidamente, as mesmas órbitas, o sistema político brasileiro parecia previsível e organizado. Nos 20 anos entre 1994 e 2014, apenas dois partidos, o PSDB e o PT, disputaram de verdade as eleições presidenciais. Muita coisa mudou, no entanto. Vieram as ruas em 2013 e a Lava Jato em 2014. Mas não só. No prazo para filiação ou troca de partidos, em abril deste ano, Dilma Rousseff era presidente e Lula recorria à Justiça para assumir o Ministério da Casa Civil. Quando os partidos anunciaram seus candidatos a prefeito e vereador, em agosto, o impeachment ainda era assunto restrito a uma comissão na Câmara dos Deputados, conduzida por Eduardo Cunha. Desde então, a economia piorou, Dilma caiu, o vice Michel Temer assumiu, Cunha caiu e Lula luta pela sobrevivência política.
O pleito do dia 2 de outubro é fruto desse universo em transformação. As pesquisas eleitorais mostram um PT em decadência, um PSDB – finalmente – com caras novas e a ascensão de um pequeno partido evangélico, o PRB, nas duas maiores capitais do país. Eleições municipais costumam seguir uma lógica diferente das disputas nacionais. Desta vez pode ser diferente. Num cenário em que a polarização entre PT e PSDB é posta em dúvida, elas mapeiam a nova carta astral da política – e podem antecipar cenários para o pleito de 2018.
Um novo PSDB
Nunca um candidato à Presidência perdeu por tão pouco quantoAécio Neves, que teve 48% dos votos no segundo turno contra Dilma, em 2014. Com a queda do governo do PT, poderia ser natural o eleitorado se aglutinar em torno do PSDB. Mas não. “Com essa crise toda, houve uma desmoralização de todo o universo político. Não ficou nenhum partido propriamente incólume”, afirma Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia da Universidade de São Paulo e ministro da Educação do governo Dilma. O PSDB da polarização contra o PT, do fla-flu entre saudosistas dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, se exauriu. “A sociedade não aguenta mais petistas contra tucanos”, diz Marco Aurélio Nogueira, professor de teoria política da Unesp.
O PSDB, no entanto, está bem melhor que o PT. Está no jogo em capitais importantes – e com caras novas, muito bem-vindas num partido dominado por caciques. O ex-goleiro João Leite lidera as pesquisas para prefeito de Belo Horizonte. Ele foi secretário do Esporte do governo Aécio Neves, em Minas Gerais, um estado onde a rivalidade PT x PSDB nunca vingou. Em São Paulo, berço dos tucanos,João Doria vive ascensão meteórica – desde o começo da campanha, ele avançou de 5% para 30% nas pesquisas, segundo o instituto Datafolha no dia 27. Sua subida, no entanto, não é exatamente um triunfo da tradição da legenda. “Doria pode até ir para o segundo turno. Pode até ganhar a eleição”, afirma o cientista político Carlos Melo, professor do Insper. “Mas será quase uma vitória pessoal. O PSDB não está unificado em torno dele.”
Marcelo Crivella. (Foto: Domingos Peixoto / Ag. O Globo)
Formado em publicidade, ex-apresentador do reality show O aprendiz e criador de um ciclo de palestras com tom de autoajuda, Doria é um estranho no ninho dos acadêmicos Fernando Henrique Cardoso e José Serra – teóricos do modelo de centro-esquerda que vigorou no Brasil entre 1994 e 2008. Os dois preferiam a candidatura de Andrea Matarazzo. Apoiado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin – também ele um tucano 2.0 –, Doria tornou-se candidato após vencer uma disputa sangrenta nas prévias do partido. Matarazzo migrou para o PSD e virou candidato a vice de Marta Suplicy (PMDB). Na semana passada, alguns tucanos anunciaram apoio à chapa adversária. Se Celso Russomanno afundar na reta final, como em 2012, São Paulo pode viver uma situação inusitada. A ala tradicional do PSDB votará em Marta Suplicy, e a “bossa nova” do partido em João Doria. O resultado dessa briga entre tucanos pode determinar quem chegará mais bem posicionado para as eleições presidenciais – se Geraldo Alckmin, padrinho de Doria, ou José Serra, próximo a Matarazzo.

O PRB chegou?
Em 2004, o Partido Republicano Brasileiro (PRB) não existia oficialmente. Em 2012, emplacou 78 prefeitos e 1.204 vereadores. Em 2016, tem chances de amealhar as duas maiores prefeituras do país: Rio de Janeiro e São Paulo. Marcelo Crivella é o favorito no Rio de Janeiro, com 29% das intenções de voto. Em São Paulo, Celso Russomanno está em segundo, tecnicamente empatado com o líder, Doria, depois de ficar à frente nas pesquisas até a semana passada. Liderar campanhas, os dois já conseguiram antes. Falta mostrar capacidade de vencer. Em 2012, Russomanno liderou a corrida, mas caiu para terceiro na reta final, após defender um plano de cobrar mais caro pela passagem de quem mora mais longe. Em 2016, causou polêmica ao declarar guerra ao aplicativo de transportes Uber. Desde agosto, caiu nas pesquisas de 31% para 22%. Passar para o segundo turno não é mais uma certeza.
O importante não é a religião"
MARCELO CRIVELLA, CANDIDATO DO PRB À PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO 
Crivella parece ter aprendido com as eleições municipais de 2008, quando liderou a corrida e caiu para terceiro, no fim, após se dizer contra a legalização da maconha e contra o “homem com homem”. O candidato falava como pastor evangélico – ele é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd). Na vitoriosa campanha para o Senado, em 2010, Crivella moderou suas opiniões conservadoras. “Ele foi meu colega do Senado, e ele tem uma maneira muito respeitável de conduzir, de falar”, diz Pedro Simon (PMDB-RS), ex-senador, ex-governador e ex-ministro da Agricultura do governo José Sarney. “Ele não usa a tribuna para fazer oração religiosa a favor de A, B ou C.”
Na campanha atual, para prefeito, está numa fase “Crivellinha paz e amor”. “Na minha equipe tem católico, tem homossexual, tem espírita, tem pessoas que convivem comigo em plena harmonia”, disse. “O importante não é a religião.” Encontrou-se com organizadores da parada gay da favela Vila do João. Em seu programa de governo, por duas vezes promete fazer um governo “livre de interesses partidários ou de qualquer influência ou discriminação por gênero, raça, idade, credo ou orientação sexual”. Em campanha pelo centro popular de compras Saara, tirou fotos ao lado de um pai de santo. Em vez de perder fôlego na reta final, como ocorreu em 2008, Crivella está subindo. A maior dúvida não é se ele irá ao segundo turno, mas com quem. E isso faz toda a diferença. Na eleição para governador do Rio de Janeiro, em 2014, Crivella perdeu para Luiz Fernando Pezão, do PMDB. Vice do governador Sérgio Cabral, Pezão tinha o apoio de Lula, Dilma, Cabral e do prefeito Eduardo Paes.
Fundado pelo empresário José Alencar, vice-presidente de Lula, o PRB foi dominado por pastores evangélicos e tornou-se, na linguagem corrente, “o partido da Universal”. “Crivella é um homem do mundo evangélico, e Russomanno flerta com isso. Ele tem o apoio do Edir Macedo, até por ser funcionário dele na televisão”, diz o professor Marco Aurélio Nogueira. Russomanno é apresentador da Record, emissora ligada à Iurd. Com a nova regra eleitoral, que proibiu doações vindas de empresas e limitou o tempo de campanha eleitoral, a igreja – com seus templos, encontros e canais de rádio e televisão – é um ótimo ambiente para escutar as demandas, experimentar oradores, pedir votos e doações. “A falta de financiamento empresarial favorece os candidatos das igrejas. Eles têm uma mobilização forte”, afirma o filósofo Renato Janine. “Esta campanha é muito difícil porque o tempo para se apresentar ao eleitor foi muito menor. Praticamente um mês”, diz Pedro Simon. “A atenção foi ocupada primeiro pela cassação da presidente. Depois, pelo novo governo Temer. Depois, pela cassação do presidente da Câmara. A rigor, a campanha não vai durar mais do que 20 dias.”
Com o poder de mobilização dos evangélicos, no entanto, vem o temor daqueles que não são do rebanho. Até hoje, Crivella e Russomanno tiveram taxas de rejeição altas, comparáveis às de governantes que tiveram de tomar decisões impopulares ou amargar fracassos. Ao se distanciar da imagem da igreja, Crivella e Russomanno se afastam do eleitorado cativo para buscar o tanto de votos que faltam para vencer. Numa eleição com os principais partidos em crise, pode dar certo.
O ocaso do PT
Astro rei da política brasileira nos últimos 13 anos, o Partido dos Trabalhadores entrou em colapso. Nos últimos quatro anos, as ambições do partido encolheram quase à metade. Com praticamente o mesmo número de filiados, o partido está lançando 46% menos candidatos a prefeito (1.829) e 47% menos candidatos a vereador (992). 
Em 2012, o PT chegou ao segundo turno em sete capitais e ganhou seis – incluindo a mais rica e populosa delas, São Paulo. Em 2016, há um candidato petista na frente das pesquisas de intenção de voto em Rio Branco, capital do Acre, e dois em segundo lugar: no Recife e em Porto Alegre. Só. “Na escolha do prefeito, dois valores são importantes: o que você quer para a cidade e o que cada partido representa para a política nacional. Uma coisa não se confunde com a outra”, afirma o filósofo Janine. “No plano municipal, o PT vai mal em São Paulo. O apoio da periferia, sempre forte, está fraco. Há uma questão de gestão aquém do desejado. No plano nacional, o PT vive o pior de seu inferno.”
Quatro anos depois de dizer, com orgulho, que era “um poste de Lula”, Fernando Haddad minimizou símbolos do PT e tirou o padrinho das fotos de campanha. Enquanto petistas patinam na corrida eleitoral, ex-petistas como Marta Suplicy (PMDB) e Marcelo Freixo (PSOL) têm chances reais de chegar ao segundo turno, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Suas propostas não diferem muito do receituário tradicional do PT para a gestão de municípios. Hoje, a estrela pesa. “O baque institucional foi muito grande. A classe média, gente simples, está machucada. Ela sofreu na própria cara essas coisas que estão acontecendo”, diz Pedro Simon. “A culminância foi a denúncia contra o Lula. Principalmente quando apareceu aquele vídeo dele conversando com a presidenta, falando nome feio e tudo o mais. O que atingiu sua imagem, mais que todas as acusações, foi ele falando.”
Após gravitar em torno do PT desde a eleição de 1994, os partidos de esquerda buscam brilho próprio. No Rio de Janeiro, o PCdoB inverteu os papéis. Depois de compor o blocão de apoio a Eduardo Paes (PMDB) na última eleição, agora lançou Jandira Feghali como cabeça da chapa – os petistas é que vêm a reboque. Jandira e Freixo estão tecnicamente empatados em segundo lugar, na última pesquisa do Datafolha. Não terão vida fácil, com a concorrência do peemedebista Pedro Paulo, candidato da situação – o que é uma vantagem. Numa democracia, onde a alternância de poder é sempre saudável, ir para a oposição faz parte do jogo. “A crise do PT pode ter um impacto positivo”, diz a cientista social Beatriz Pedreira, coordenadora da pesquisa Sonho brasileiro da política e membro do movimento Bancada Ativista. “Pode haver uma rearticulação da esquerda na oposição. Isso é bom.”

 
cai o número de candidatos competitivos do pt (Foto: ÉPOCA)