segunda-feira, 26 de setembro de 2016

"Momento nunca foi tão favorável para investimento privado em infraestrutura", diz Otaviano Canuto

Luís Lima - Epoca


O diretor do Banco Mundial defende agenda para aumento da produtividade e diz que Brasil será mais competitivo após "legado positivo" da Lava Jato


Otaviano Canuto (Foto: José Cruz/ABr)


Há uma década, países emergentes, como o Brasil, eram vistos como as grandes promessas em termos de crescimento econômico. Os entusiastas dessas nações, no entanto, se decepcionaram. No caso brasileiro, em vez de o país implementar reformas estruturais, que criassem bases próprias para a sustentação da atividade, optou-se por ficar à mercê de estímulos externos. Em um cenário de juros globais baixos, alta no preço das commodities e, logo, de grande liquidez, o Brasil surfou na bonança, cresceu 7,5% em 2010 e se acomodou. Não contava que os benefícios colhidos seriam limitados. No âmbito interno, entre 2000 e 2010, o país incluiu grande parte da pirâmide social à força produtiva. Cálculos do Banco Mundial estimam que dois terços do crescimento desse período ocorreram graças a essa estratégia. Após 2010, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff insistiu, em vão, nessa estratégia. "Entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer via incorporação de mão de obra. A tendência demográfica mudou, esgotando a fonte de crescimento de outrora", diz Otaviano Canuto, diretor do Banco Mundial. "No fim, como tivemos um investimento baixo e pouco crescimento na produtividade, o crescimento não foi sustentado." Neste ano, Canuto lançou em coautoria com Aleksandr Gevorkyan, professor doutor da Universidade St. John’s, em Nova York, o livro Financial deepening and post-crisis, que analisa a situação de países emergentes após a crise de 2008. 
Apesar dos erros cometidos no passado, Canuto é otimista em relação à atual gestão. Na área de infraestrutura, aposta que o governo de Michel Temer está na direção correta. O presidente anunciou neste mês um pacote de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) para atrair investimentos. Segundo Canuto, no começo do governo Dilma, o estabelecimento de taxas de retorno, como o teto para certas concessões, refletia um preconceito muito forte contra o setor privado. "Hoje, as condições de implementação de programas de investimentos em infraestrutura por meio de PPPs e concessões são melhores do que antes. Nunca estiveram tão favoráveis quanto agora", disse. Ele acrescenta que a economia tende a se beneficar do legado positivo da Operação Lava Jato, que deve tornar mais transparente a relação entre os setores público e privado. Confira a entrevista. 
ÉPOCA  O mercado tem melhorado, sucessivamente, as expectativas de crescimento para a economia brasileira neste ano e no ano que vem. Em 2017, o governo aumentou de 1,2% para 1,6% a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB). A retomada à vista deve ser sustentável?
Otaviano Canuto  A melhora da atividade do ano que vem será ajudada pela reutilização da grande capacidade ociosa, tanto material, como humana. No acumulado de 2015 e 2016, teremos uma queda acumulada de 7% do PIB. Essa retração não provocou a destruição de capacidade instalada. Isso facilita a recuperação cíclica. De qualquer forma, não podemos comemorar o número em si. Essa recuperação só vai apontar para um novo ciclo expansivo sustentável se as reformas de ajuste forem levadas a cabo.
ÉPOCA – O PIB potencial [a capacidade de crescimento da economia sem causar pressões inflacionárias] do Brasil ficou por volta de 3,5% após 2010, mas vem caindo. Há condições para que retomemos ou mesmo superemos este patamar de crescimento, sem que o país gere inflação?
Canuto  Hoje, o chamado PIB potencial, ou crescimento de longo prazo, deve estar entre 2% e 3%. Para retomarmos ou superarmos o nível anterior, temos de avançar na agenda de ganhos de produtividade. A primeira tarefa é continuar aperfeiçoando a qualidade na formação de mão de obra. Somado a isso, deve haver uma melhora no ambiente de negócios. O ambiente regulatório e o tipo de tributação criam “pedágio” na produtividade. Também há muita dificuldade no acesso a financiamento de longo prazo para pequenas e médias empresas. O que existe é pequeno, porque aquilo que é subsidiado ou crédito dirigido vai para um conjunto restrito de grandes empresas. Para essa parte dos empresários, que pegaram crédito forçado via direcionamento, tem todo um universo que paga o preço em termos de juros mais altos.

ÉPOCA – Por que o país estagnou em termos de ganhos de produtividade?
Canuto – O ciclo de crescimento na década passada foi fantástico. Entre 2003 e 2010, o país cresceu cerca de 4% ao ano. A base da pirâmide social foi a principal favorecida, com renda real crescendo cerca de 7% ao ano. Foi um grande feito para um país com um passado de desigualdade, miséria e exclusão. O crescimento da atividade foi, sobretudo, decorrente de incorporação de mão de obra de mulheres e de áreas marginalizadas, de subemprego e atividades informais. Estimativas do Banco Mundial apontam que cerca de dois terços do aumento do PIB neste período ocorreram graças à quantidade da força de trabalho incorporada à economia. Por outro lado, a produtividade do trabalho e o investimento continuaram baixos. Depois de 2010, entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer via incorporação de mão de obra. A tendência demográfica mudou, esgotando a fonte de crescimento de outrora. No fim, como tivemos um investimento baixo e pouco crescimento na produtividade, o crescimento não foi sustentado. A geração de empregos poderia ser de maior qualidade, a indústria teria sobrevivido com conteúdo tecnológico melhor e haveria mais solidez no PIB.
ÉPOCA  Qual a velocidade com que essas medidas devem ser implementadas para o país ser mais produtivo?
Canuto – Não é preciso fazer tudo de uma vez. Muita reforma de uma vez só dilui o capital político e suaviza seus efeitos. O péssimo ambiente de negócios cria desperdícios no uso da mão de obra e  em recursos empresariais Um item-chave desse ambiente de negócios ruim é a descomplicação do sistema tributário. Se ele fosse menos “criador de pedágio”, daria uma contribuição horizontal de aumento da produtividade. A outra área é a infraestrutura. A ausência de infraestrutura mínima adequada também cria desperdícios. O Banco Mundial estima que, para cobrir a depreciação da infraestrutura, o país precisaria investir 3% do PIB – só para manter o que tem. Só que, quando olhamos do começo do novo milênio para cá, a média de investimento em infraestrutura total foi de menos de 2,5% do PIB. Não por acaso, quando a economia cresceu, no final do ciclo de preço das commodities, tivemos gargalos de infraestrutura monstruosos. Nem sequer a depreciação foi coberta por novos investimentos.
ÉPOCA  O governo dará cabo a uma agenda de concessões, privatizações e Parceria Público-Privadas (PPPs). Temer está na direção correta?
Canuto  Tenho sido otimista em relação ao caminho proposto pelo governo atual. Do ponto de vista da direção do que fazer, há razoável clareza do pessoal dos setores público e privado – e não é de hoje. A dificuldade maior é de implementação. Uma questão importante é a grande contribuição econômica dos escândalos de corrupção. A herança positiva é que os mecanismos de governança da relação entre os setores público e privado estão sendo aperfeiçoados. A partir de agora, essas relações devem ocorrer em outras bases, sem pré-arranjo, corrupção ou cartelização no setor privado. Logo, o custo da provisão de serviços e o resultado vão melhorar. Terá mais concorrência do lado privado, que vai disputar essas oportunidades. É uma grande janela de oportunidade para melhorar o uso do gasto público com infraestrutura. No começo do governo Dilma, tinha o estabelecimento de taxas de retorno, como o teto para certas concessões, que refletiam um preconceito muito forte contra o retorno do setor privado. Hoje, as condições de implementação de programas de investimentos em infraestrutura por meio de PPPs e concessões são melhores do que antes. No passado brasileiro, nunca estiveram tão favoráveis quanto agora.
ÉPOCA  Na área comercial, como avalia a disposição do novo governo em se aproximar de economias desenvolvidas, rumo a uma maior abertura? 
Canuto  De forma muito positiva. Uma das dimensões perversas do ambiente de negócios e que afeta a produtividade é o grau de fechamento da economia brasileira. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo. Esta é  uma variável fundamental. Isso prejudica a concorrência dentro do país e mantém o pessoal de dentro muito fechado sobre o exterior. Pagamos um preço de produtividade que não sobe, de sobrevivência de empresas ineficientes, entre outros efeitos negativos. 
ÉPOCA  A presidente impedida Dilma Rousseff, em sua defesa ao longo do processo de impeachment, citou o FMI e uma certa mudança na avaliação do fundo sobre medidas de austeridade – de que elas não são saudáveis em momentos de recessão. Ela usou esse argumento para justificar a adoção de medidas anticíclicas em seu governo. Existe de fato uma nova percepção sobre a eficácia de medidas de austeridade pelo fundo?
Canuto – Mudou a percepção de que a austeridade isolada, se não acompanha por reformas estruturais que enfrentem a origem dos problemas, não resolve. Da mesma maneira, quando um programa de austeridade, em um quadro recessivo, há dívidas que não pagáveis, também não resolve. A autocrítica do FMI foi quanto o programa de austeridade da Grécia, em que a dívida não era pagável, e que a austeridade não poderia resolver esse problema. Política de contração fiscal, em país com recessão, sem reforma estrutural e sem alívio de dívida, quando é insustentável, não funciona.
ÉPOCA – A defesa do PT tem fundamento, considerando que o Brasil realizou as reformas estruturais?
Canuto – Não era esse o caso do Brasil. A analogia com a Grécia e a fonte de autocrítica do FMI sobre o pacote do qual participou o país não vale para o país. Quando Dilma intensificou o estímulo ao crescimento forçando o investimento, o problema do país não era de carência de demanda agregada, era de restrição de oferta. Era nas margens de lucro da empresa e de investimento. O efeito da política contracílica pós 2008 e 2009 teve um resultado grande, como o de 2010. Mas depois, em 2012, quando repete a dose, a restrição de crescimento do Brasil não era mais ausência de demanda. Depois de 2010, entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer via incorporação de mão de obra. A tendência demográfica mudou, esgotando a fonte de crescimento de outrora. Tanto que temos uma deterioração fiscal, pressão inflacionária e um setor privado que não investe. E, ao tentar resolver a pressão inflacionária – criada pela demanda agregada em descompasso com capacidade de oferta – mediante redução artificiais em alguns preço, criou-se um descompasso de preços, inclusive administrados. Resultado: expectativas inflacionárias elevadas, juros elevados, e a economia parou de crescer.