O diretor do Banco Mundial defende agenda para aumento da produtividade e diz que Brasil será mais competitivo após "legado positivo" da Lava Jato
Há uma década, países emergentes, como o Brasil, eram vistos como as grandes promessas em termos de crescimento econômico. Os entusiastas dessas nações, no entanto, se decepcionaram. No caso brasileiro, em vez de o país implementar reformas estruturais, que criassem bases próprias para a sustentação da atividade, optou-se por ficar à mercê de estímulos externos. Em um cenário de juros globais baixos, alta no preço das commodities e, logo, de grande liquidez, o Brasil surfou na bonança, cresceu 7,5% em 2010 e se acomodou. Não contava que os benefícios colhidos seriam limitados. No âmbito interno, entre 2000 e 2010, o país incluiu grande parte da pirâmide social à força produtiva. Cálculos do Banco Mundial estimam que dois terços do crescimento desse período ocorreram graças a essa estratégia. Após 2010, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff insistiu, em vão, nessa estratégia. "Entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer via incorporação de mão de obra. A tendência demográfica mudou, esgotando a fonte de crescimento de outrora", diz Otaviano Canuto, diretor do Banco Mundial. "No fim, como tivemos um investimento baixo e pouco crescimento na produtividade, o crescimento não foi sustentado." Neste ano, Canuto lançou em coautoria com Aleksandr Gevorkyan, professor doutor da Universidade St. John’s, em Nova York, o livro Financial deepening and post-crisis, que analisa a situação de países emergentes após a crise de 2008.
Apesar dos erros cometidos no passado, Canuto é otimista em relação à atual gestão. Na área de infraestrutura, aposta que o governo de Michel Temer está na direção correta. O presidente anunciou neste mês um pacote de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) para atrair investimentos. Segundo Canuto, no começo do governo Dilma, o estabelecimento de taxas de retorno, como o teto para certas concessões, refletia um preconceito muito forte contra o setor privado. "Hoje, as condições de implementação de programas de investimentos em infraestrutura por meio de PPPs e concessões são melhores do que antes. Nunca estiveram tão favoráveis quanto agora", disse. Ele acrescenta que a economia tende a se beneficar do legado positivo da Operação Lava Jato, que deve tornar mais transparente a relação entre os setores público e privado. Confira a entrevista.
ÉPOCA – O mercado tem melhorado, sucessivamente, as expectativas de crescimento para a economia brasileira neste ano e no ano que vem. Em 2017, o governo aumentou de 1,2% para 1,6% a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB). A retomada à vista deve ser sustentável?
Otaviano Canuto – A melhora da atividade do ano que vem será ajudada pela reutilização da grande capacidade ociosa, tanto material, como humana. No acumulado de 2015 e 2016, teremos uma queda acumulada de 7% do PIB. Essa retração não provocou a destruição de capacidade instalada. Isso facilita a recuperação cíclica. De qualquer forma, não podemos comemorar o número em si. Essa recuperação só vai apontar para um novo ciclo expansivo sustentável se as reformas de ajuste forem levadas a cabo.
Otaviano Canuto – A melhora da atividade do ano que vem será ajudada pela reutilização da grande capacidade ociosa, tanto material, como humana. No acumulado de 2015 e 2016, teremos uma queda acumulada de 7% do PIB. Essa retração não provocou a destruição de capacidade instalada. Isso facilita a recuperação cíclica. De qualquer forma, não podemos comemorar o número em si. Essa recuperação só vai apontar para um novo ciclo expansivo sustentável se as reformas de ajuste forem levadas a cabo.
ÉPOCA – O PIB potencial [a capacidade de crescimento da economia sem causar pressões inflacionárias] do Brasil ficou por volta de 3,5% após 2010, mas vem caindo. Há condições para que retomemos ou mesmo superemos este patamar de crescimento, sem que o país gere inflação?
Canuto – Hoje, o chamado PIB potencial, ou crescimento de longo prazo, deve estar entre 2% e 3%. Para retomarmos ou superarmos o nível anterior, temos de avançar na agenda de ganhos de produtividade. A primeira tarefa é continuar aperfeiçoando a qualidade na formação de mão de obra. Somado a isso, deve haver uma melhora no ambiente de negócios. O ambiente regulatório e o tipo de tributação criam “pedágio” na produtividade. Também há muita dificuldade no acesso a financiamento de longo prazo para pequenas e médias empresas. O que existe é pequeno, porque aquilo que é subsidiado ou crédito dirigido vai para um conjunto restrito de grandes empresas. Para essa parte dos empresários, que pegaram crédito forçado via direcionamento, tem todo um universo que paga o preço em termos de juros mais altos.
ÉPOCA – Por que o país estagnou em termos de ganhos de produtividade?
Canuto – O ciclo de crescimento na década passada foi fantástico. Entre 2003 e 2010, o país cresceu cerca de 4% ao ano. A base da pirâmide social foi a principal favorecida, com renda real crescendo cerca de 7% ao ano. Foi um grande feito para um país com um passado de desigualdade, miséria e exclusão. O crescimento da atividade foi, sobretudo, decorrente de incorporação de mão de obra de mulheres e de áreas marginalizadas, de subemprego e atividades informais. Estimativas do Banco Mundial apontam que cerca de dois terços do aumento do PIB neste período ocorreram graças à quantidade da força de trabalho incorporada à economia. Por outro lado, a produtividade do trabalho e o investimento continuaram baixos. Depois de 2010, entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer via incorporação de mão de obra. A tendência demográfica mudou, esgotando a fonte de crescimento de outrora. No fim, como tivemos um investimento baixo e pouco crescimento na produtividade, o crescimento não foi sustentado. A geração de empregos poderia ser de maior qualidade, a indústria teria sobrevivido com conteúdo tecnológico melhor e haveria mais solidez no PIB.
Canuto – Hoje, o chamado PIB potencial, ou crescimento de longo prazo, deve estar entre 2% e 3%. Para retomarmos ou superarmos o nível anterior, temos de avançar na agenda de ganhos de produtividade. A primeira tarefa é continuar aperfeiçoando a qualidade na formação de mão de obra. Somado a isso, deve haver uma melhora no ambiente de negócios. O ambiente regulatório e o tipo de tributação criam “pedágio” na produtividade. Também há muita dificuldade no acesso a financiamento de longo prazo para pequenas e médias empresas. O que existe é pequeno, porque aquilo que é subsidiado ou crédito dirigido vai para um conjunto restrito de grandes empresas. Para essa parte dos empresários, que pegaram crédito forçado via direcionamento, tem todo um universo que paga o preço em termos de juros mais altos.
ÉPOCA – Por que o país estagnou em termos de ganhos de produtividade?
Canuto – O ciclo de crescimento na década passada foi fantástico. Entre 2003 e 2010, o país cresceu cerca de 4% ao ano. A base da pirâmide social foi a principal favorecida, com renda real crescendo cerca de 7% ao ano. Foi um grande feito para um país com um passado de desigualdade, miséria e exclusão. O crescimento da atividade foi, sobretudo, decorrente de incorporação de mão de obra de mulheres e de áreas marginalizadas, de subemprego e atividades informais. Estimativas do Banco Mundial apontam que cerca de dois terços do aumento do PIB neste período ocorreram graças à quantidade da força de trabalho incorporada à economia. Por outro lado, a produtividade do trabalho e o investimento continuaram baixos. Depois de 2010, entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer via incorporação de mão de obra. A tendência demográfica mudou, esgotando a fonte de crescimento de outrora. No fim, como tivemos um investimento baixo e pouco crescimento na produtividade, o crescimento não foi sustentado. A geração de empregos poderia ser de maior qualidade, a indústria teria sobrevivido com conteúdo tecnológico melhor e haveria mais solidez no PIB.
ÉPOCA – Qual a velocidade com que essas medidas devem ser implementadas para o país ser mais produtivo?
Canuto – Não é preciso fazer tudo de uma vez. Muita reforma de uma vez só dilui o capital político e suaviza seus efeitos. O péssimo ambiente de negócios cria desperdícios no uso da mão de obra e em recursos empresariais Um item-chave desse ambiente de negócios ruim é a descomplicação do sistema tributário. Se ele fosse menos “criador de pedágio”, daria uma contribuição horizontal de aumento da produtividade. A outra área é a infraestrutura. A ausência de infraestrutura mínima adequada também cria desperdícios. O Banco Mundial estima que, para cobrir a depreciação da infraestrutura, o país precisaria investir 3% do PIB – só para manter o que tem. Só que, quando olhamos do começo do novo milênio para cá, a média de investimento em infraestrutura total foi de menos de 2,5% do PIB. Não por acaso, quando a economia cresceu, no final do ciclo de preço das commodities, tivemos gargalos de infraestrutura monstruosos. Nem sequer a depreciação foi coberta por novos investimentos.
ÉPOCA – O governo dará cabo a uma agenda de concessões, privatizações e Parceria Público-Privadas (PPPs). Temer está na direção correta?
Canuto – Tenho sido otimista em relação ao caminho proposto pelo governo atual. Do ponto de vista da direção do que fazer, há razoável clareza do pessoal dos setores público e privado – e não é de hoje. A dificuldade maior é de implementação. Uma questão importante é a grande contribuição econômica dos escândalos de corrupção. A herança positiva é que os mecanismos de governança da relação entre os setores público e privado estão sendo aperfeiçoados. A partir de agora, essas relações devem ocorrer em outras bases, sem pré-arranjo, corrupção ou cartelização no setor privado. Logo, o custo da provisão de serviços e o resultado vão melhorar. Terá mais concorrência do lado privado, que vai disputar essas oportunidades. É uma grande janela de oportunidade para melhorar o uso do gasto público com infraestrutura. No começo do governo Dilma, tinha o estabelecimento de taxas de retorno, como o teto para certas concessões, que refletiam um preconceito muito forte contra o retorno do setor privado. Hoje, as condições de implementação de programas de investimentos em infraestrutura por meio de PPPs e concessões são melhores do que antes. No passado brasileiro, nunca estiveram tão favoráveis quanto agora.
Canuto – Tenho sido otimista em relação ao caminho proposto pelo governo atual. Do ponto de vista da direção do que fazer, há razoável clareza do pessoal dos setores público e privado – e não é de hoje. A dificuldade maior é de implementação. Uma questão importante é a grande contribuição econômica dos escândalos de corrupção. A herança positiva é que os mecanismos de governança da relação entre os setores público e privado estão sendo aperfeiçoados. A partir de agora, essas relações devem ocorrer em outras bases, sem pré-arranjo, corrupção ou cartelização no setor privado. Logo, o custo da provisão de serviços e o resultado vão melhorar. Terá mais concorrência do lado privado, que vai disputar essas oportunidades. É uma grande janela de oportunidade para melhorar o uso do gasto público com infraestrutura. No começo do governo Dilma, tinha o estabelecimento de taxas de retorno, como o teto para certas concessões, que refletiam um preconceito muito forte contra o retorno do setor privado. Hoje, as condições de implementação de programas de investimentos em infraestrutura por meio de PPPs e concessões são melhores do que antes. No passado brasileiro, nunca estiveram tão favoráveis quanto agora.
ÉPOCA – Na área comercial, como avalia a disposição do novo governo em se aproximar de economias desenvolvidas, rumo a uma maior abertura?
Canuto – De forma muito positiva. Uma das dimensões perversas do ambiente de negócios e que afeta a produtividade é o grau de fechamento da economia brasileira. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo. Esta é uma variável fundamental. Isso prejudica a concorrência dentro do país e mantém o pessoal de dentro muito fechado sobre o exterior. Pagamos um preço de produtividade que não sobe, de sobrevivência de empresas ineficientes, entre outros efeitos negativos.
ÉPOCA – A presidente impedida Dilma Rousseff, em sua defesa ao longo do processo de impeachment, citou o FMI e uma certa mudança na avaliação do fundo sobre medidas de austeridade – de que elas não são saudáveis em momentos de recessão. Ela usou esse argumento para justificar a adoção de medidas anticíclicas em seu governo. Existe de fato uma nova percepção sobre a eficácia de medidas de austeridade pelo fundo?
Canuto – Mudou a percepção de que a austeridade isolada, se não acompanha por reformas estruturais que enfrentem a origem dos problemas, não resolve. Da mesma maneira, quando um programa de austeridade, em um quadro recessivo, há dívidas que não pagáveis, também não resolve. A autocrítica do FMI foi quanto o programa de austeridade da Grécia, em que a dívida não era pagável, e que a austeridade não poderia resolver esse problema. Política de contração fiscal, em país com recessão, sem reforma estrutural e sem alívio de dívida, quando é insustentável, não funciona.
ÉPOCA – A defesa do PT tem fundamento, considerando que o Brasil realizou as reformas estruturais?
Canuto – Não era esse o caso do Brasil. A analogia com a Grécia e a fonte de autocrítica do FMI sobre o pacote do qual participou o país não vale para o país. Quando Dilma intensificou o estímulo ao crescimento forçando o investimento, o problema do país não era de carência de demanda agregada, era de restrição de oferta. Era nas margens de lucro da empresa e de investimento. O efeito da política contracílica pós 2008 e 2009 teve um resultado grande, como o de 2010. Mas depois, em 2012, quando repete a dose, a restrição de crescimento do Brasil não era mais ausência de demanda. Depois de 2010, entramos num período em que se esgotou a possibilidade de crescer via incorporação de mão de obra. A tendência demográfica mudou, esgotando a fonte de crescimento de outrora. Tanto que temos uma deterioração fiscal, pressão inflacionária e um setor privado que não investe. E, ao tentar resolver a pressão inflacionária – criada pela demanda agregada em descompasso com capacidade de oferta – mediante redução artificiais em alguns preço, criou-se um descompasso de preços, inclusive administrados. Resultado: expectativas inflacionárias elevadas, juros elevados, e a economia parou de crescer.