sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Le Monde: Queda de Dilma ´trambique` assinala derrocada do PT no Brasil

Claire Gatinois



  • Paulo Whitaker/Reuters
Impeachment da presidente marca o fim de um ciclo iniciado pela chegada do presidente Lula ao poder em 2003
Dividida entre raiva e exaustão, Elizabeth Galvão foi até o palácio da Alvorada, em Brasília, para dar um último "adeus" a Dilma Rousseff. A destituição da presidente brasileira, nesta quarta-feira (31), revoltou a professora, eleitora do Partido dos Trabalhadores (PT) desde 1986. Mas nesse dia a tristeza superou todos os outros sentimentos.
"É o fim de uma era", ela acredita, assim como muitos militantes do PT parados em frente aos portões do palácio presidencial. O impeachment decidido por mais de dois terços dos senadores assinala o fim de um ciclo, iniciado em 2003 pela chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, o ex-menino pobre do Nordeste que se tornou porta-voz dos esquecidos, dos pobres e dos sem voz.
"A história não acaba assim", afirmou Rousseff aos militantes que foram apoiá-la nesse dia, "nós voltaremos". Lula, de rosto fechado, observa à distância sem nada dizer àquela que já foi sua protegida. A destituição de Dilma Rousseff é seu fracasso também. Mas sua saída, ainda que traumatizante, é quase um alívio. Ela coloca fim a um segundo mandato presidencial que mais parecia um calvário, durante o qual a imagem do partido foi manchada pelos erros de Dilma, pela crise e pelos casos de corrupção.

Agora começa outra luta: restaurar o mito Lula e reconstruir um partido fragmentado antes da eleição presidencial de 2018, uma tarefa quase impossível. Já afetado pelo escândalo do mensalão (compra de votos de parlamentares) em 2005, o ex-sindicalista é suspeito de ser um dos elos do esquema de corrupção envolvendo a estatal Petrobras e os gigantes da construção civil.

Esse caso respingou em toda a classe política e foi trazido à tona pela investigação Lava Jato, conduzida pelo juiz Sérgio Moro.
Como contra-ataque, PT e Lula passaram a mobilizar a opinião pública, acusando as elites conservadoras de estarem conspirando para destruir o partido e seu carismático líder. Segundo analistas, essa retórica de um complô orquestrado pelo grande capital pode funcionar a curto prazo. Mas para permitir que o PT renasça de verdade, "falta um mea culpa", observa o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, professor da Fundação Getúlio Vargas.

Beijo da morte

O poder desgastou o PT. Esse partido, que prometia ser tão diferente dos outros, foi aos poucos se perdendo em um sistema que ele criticava, provocando a decepção de parte dos eleitores.
"O PT não é mais a esquerda", acredita o ex-ministro da Educação de Lula, Cristovam Buarque, senador do Partido Popular Socialista (PPS), que votou a favor do impeachment de Dilma Rousseff. A sociedade evoluiu sem que o discurso do PT acompanhasse. "A revolução não é mais feita nas fábricas, mas sim nas escolas", diz o senador.
Prova desse descrédito é o fato de o apoio de Lula aos candidatos do PT nas eleições municipais de outubro parecer, em certos distritos, um beijo da morte. Em São Paulo, 73% dos eleitores afirmam que não votariam "de jeito nenhum" em uma pessoa apoiada pelo ex-presidente, segundo uma pesquisa Datafolha publicada no dia 25 de agosto.
A "grife" PT não é mais tão popular. Tanto que os candidatos agora estão tentando apagar os sinais ostentatórios de sua filiação ao PT, reduzindo o tamanho da estrela em seus cartazes ou evitando a cor vermelha. "É um desastre", diz em pânico uma pessoa próxima do PT.
O Partido dos Trabalhadores também deve imaginar o pior: uma condenação de Lula, que impediria que o septuagenário se candidatasse em 2018. As suspeitas se acumularam nos últimos meses.
Segundo o jornal "Estado de São Paulo", de 26 de agosto, os investigadores agora estariam tentando incriminar o ex-presidente nos casos do "tríplex" e da casa de Atibaia: um apartamento no Guarujá e uma casa de férias, que Lula e sua mulher Marisa teriam - de acordo com os policiais- recebido de presente de construtoras envolvidas na Lava Jato.

Tradutor: UOL