
No epílogo do enredo de Eduardo Cunha estão visíveis os sinais de esmaecimento de uma política de alianças que permitiu a ocupação de áreas-chave do poder no Congresso por lideranças do “baixo clero” parlamentar.
Como na política o impossível é sempre possível, seria temeroso prever o fim do “centrão”, cuja influência no Legislativo viabilizou a ascensão de figuras como Cunha nas últimas três décadas. Porém, é notável a liquefação do poder desse grupo parlamentar que tomou o poder na Mesa da Câmara há 17 meses, na esteira de acordos transpartidários que envolveram 267 deputados — ou seja, 52% dos 513 votos disponíveis no plenário.
Desde a redemocratização, no final dos anos 80, sucessivos governos manipularam o “baixo clero” em benefício próprio. Esse corpo parlamentar gelatinoso se autodenominou “centrão” na Constituinte. Ganhava consistência conforme o interesse dos governos na construção de maiorias emergenciais, à margem das forças tradicionais da política.
Um dos reflexos foi a multiplicação de identidades partidárias. Havia uma dúzia de partidos. Agora são 35 com registro no Tribunal Superior Eleitoral, dos quais 27 com representação no plenário do Congresso. Há outras três dezenas na fila do protocolo do tribunal, inclusive um certo Partido Nacional Corinthiano.
Tornou-se um dos grandes negócios da República, porque a inscrição na Justiça Eleitoral garante, entre outras coisas, acesso automático, privilegiado e sob controle difuso, aos recursos do orçamento público (R$ 800 milhões anuais do Fundo Partidário mais propaganda subsidiada no rádio e televisão).
Essa anarquia está na gênese de uma estranha evolução no comando da Câmara. Em 2012, o ex-presidente Severino Cavalcanti foi flagrado na caça à “diretoria que fura poço” na Petrobras. Seis anos depois, Cunha foi apanhado na intermediação de negócios na estatal de petróleo, quando já havia assegurado um bônus: o governo Dilma deu-lhe quatro anos de influência na Caixa, com acesso a informações privilegiadas sobre o dinheiro de 30 milhões de trabalhadores e poder de voto em negócios bilionários do FGTS com empresas privadas.
É provável que, depois das eleições municipais, o Congresso avance numa reforma político-partidária, por uma boa e única razão: a sobrevivência dos atuais parlamentares nas urnas, em 2018.