O golpe do papa
O papa Francisco cancelou sua viagem ao Brasil em 2017 afirmando que o país “vive um momento triste”. Vamos traduzir essa tristeza: o líder máximo da Igreja Católica está apoiando Dilma Rousseff, a despachante da quadrilha que depenou o país entristecido. Mas a tristeza sentida pelo sumo pontífice não é com o roubo, é com a punição aos ladrões.
O papa Francisco, de maneira indireta, portanto dissimulada, portanto covarde, está fazendo coro com a militância ideológica que grita contra o golpe de Estado – esse em que a criminosa golpeada dialoga com os golpistas (e ri com eles), sob a regência constitucional da Corte máxima do país. Uma bandeira de mentira, fajuta e imunda, que agora é levantada também pelo papa Francisco.
Isso não teria a menor importância num mundo que soubesse distinguir um líder espiritual de um mercador da bondade. Mas a demagogia supostamente progressista – na verdade reacionária – é hoje a commodity mais valorizada do planeta, e nenhum candidato à popularidade perante as massas admite mais abrir mão dela. Até a alemã Angela Merkel, guardiã quase solitária da responsabilidade europeia, andou fazendo proselitismo com o tema dos refugiados. Se você não der ao menos uma bicadinha na vitamina populista, você morre.
A gangue que inventou o golpe no Brasil para brincar de resistência democrática – e se encher da preciosa vitamina demagógica – está quebrando tudo. Durante 13 anos quebraram por dentro, agora estão quebrando por fora – o que é bem mais prático e leve. O caixa da revolução está cheio, após a proverbial transfusão da Petrobras, dos bancos públicos e dos fundos de pensão. O lanche é mortadela por questão de estilo, poderia ser caviar. E não existe vida mais fácil: você recruta um bando de inocentes úteis e não inocentes alugados e manda todo mundo para cima da polícia. Fustigar a boçalidade das polícias militares é brincadeira de criança para essa turma. Não tem erro.
O papa Francisco e sua falsa tristeza apoiam essa depredação teatral – que tem consequências reais e sujas de sangue. O religioso bonzinho, com seu gesto grave – vamos repetir: grave – de desistir da visita ao Brasil por causa do impeachment, jogou uma tocha nessa gasolina. Não adianta fugir dessa responsabilidade. Não adianta rebolar na retórica. Não adianta fazer cara de piedade. O papa abriu mão da missão de paz do estadista para entrar num jogo partidário. Se meteu num conflito político nacional para exacerbá-lo – para dar sua contribuição incendiária.
A política existe para organizar a vida das sociedades. Só isso, mais nada. Não é um campeonato de siglas, cores e credos, nem um palco para apoteoses românticas. No caso do Brasil, o governo canastrão do PT incensou todos esses símbolos emocionais e fulminou a organização social e institucional. Isso não é política, é contrabando.
O governo Temer assumiu no cenário de terra arrasada e está repetindo o governo Itamar (por questão de sobrevivência): dando espaço a quem entende de administração pública, substituindo militância partidária com o dinheiro dos outros por trabalho. É o PMDB, há os caciques velhos, há a podridão – mas os principais cargos de comando foram entregues aos bons. Assim como fez Itamar, no mesmo PMDB.
Há 23 anos isso deu no Plano Real – o momento mais significativo da história recente em que a política serviu para organizar a sociedade. Os veículos da mudança foram o PMDB e o PSDB, mas a virtude não estava neles. Estava nos homens. Sempre está.
Repetindo a ruína do pós-Collor, a ruína do pós-PT abriu uma janela de oportunidade para quem quer usar o poder para organizar, e não para surfar. Os surfistas estão naturalmente desesperados, porque num país organizado as ondas de malandragem somem da política – ou ao menos ficam pequenininhas, sem força para impulsionar os proselitismos coitados e os heroísmos de aluguel. É preciso, portanto, bagunçar.
É claro que alguém que sai de casa para forjar um tumulto e posar de perseguido pela polícia não vale a mortadela que come. Mas o interessante é imaginar o que essa criatura pensa a sós com seu travesseiro. Se o país tivesse de repente um surto de dignidade, a fila do confessionário chegaria a Roma. Puxada pelo papa.