Charles Mostoller/Jonathan Ernst/Reuters | |
Hillary Clinton e Donald Trump, que debatem na noite desta segunda (26) |
JIM RUTENBERG
DO "NEW YORK TIMES"
DO "NEW YORK TIMES"
Se este não está sendo o pior ano da história em matéria de verdade na política, não consigo pensar em qual foi. E ninguém consegue me dizer.
O candidato presidencial republicano proferiu mais falsidades do que os grandes sites de checagem de fatos identificaram vindas de qualquer candidato presidencial de um dos grandes partidos desde que os partidos nasceram. A candidata democrata não chegou nem sequer perto disso. Mas ela também não é exatamente uma "Honest Abe" (o apelido de Abraham Lincoln, por ser visto como político honesto).
Estamos quase em um ponto em que o "truthiness" -o termo cunhado por Stephen Colbert para designar as "verdades" declaradas porque a pessoa supostamente "sabe em seu íntimo" que são verdades, o tipo de coisa que ajudou a levar à Guerra do Iraque-seria preferível ao que temos hoje: baboseiras não substanciadas e mentiras deslavadas. Em muitos casos, infelizmente, essas mentiras deitaram raízes e viraram a base para as decisões de voto das pessoas.
O jornalismo tradicional vem se esforçando para acompanhar tudo isso. Está sendo sobrecarregado pela abundância de alegações que exigem ser verificadas; solapado, às vezes, pelas falhas humanas dos jornalistas e os imperativos econômicos da audiência e das visitas a páginas online, e assediado por ataques partidários cujo objetivo é meter medo nos jornalistas, para que não façam seu trabalho como devem.
A boa notícia é que finalmente os debates vão começar, oferecendo ao quarto poder uma ótima oportunidade para corrigir inverdades e empurrar a discussão presidencial para o terreno igualitário dos fatos comprovados. Em outras palavras, a imprensa terá uma chance de realizar sua vocação.
E isso vai exigir que os moderadores dos debates intervenham para apresentar a verdade quando qualquer um dos candidatos fizer uma afirmação evidentemente falsa.
Inexplicavelmente, o debate pré-debate vem sendo dominado pela questão de se os moderadores de debates têm ou não o direito e o dever de fazer justamente isso.
Donald J. Trump disse, como fez na quinta-feira na "Fox & Friends", que o âncora da NBC que vai moderar o debate desta segunda-feira, Lester Holt, deve ficar fora do caminho e deixar que ele e Hillary Clinton "se enfrentem" no que diz respeito aos fatos.
Não chega a surpreender. Mas pelo menos um dos moderadores deste ano, Chris Wallace, da Fox News, disse o mesmo, assim como alguns dos comentaristas conhecidos da televisão como o ex-âncora da PBS Jim Lehrer, ele próprio moderador frequente de debates no passado.
Isso significa tratar a falsidade como um disco de hóquei que é jogado de um lado para outro no gelo, obrigando cada candidato a fazer o papel de goleiro. O que a temporada política atual precisa realmente é de um árbitro confiante e digno de crédito, ou alguns milhares deles.
CHECAGEM
Sites como FactCheck.org e PolitiFact e organizações noticiosas como "The New York Times" e "The Washington Post" estarão presentes para distinguir verdades de mentiras, depois de as mentiras terem sido ditas. Mas encaremos a verdade: a base de leitores de todos juntos não chega perto das dimensões do público do debate, que, segundo executivos da televisão e estrategistas políticos, pode chegar a 100 milhões de pessoas.
Para muitos espectadores, uma mentira bem burilada vai grudar no candidato que é alvo dela -que, a julgar pelo passado, tem mais chances de ser Hillary que Trump.
E a Comissão sobre Debates Presidenciais vai fracassar em sua missão própria de "assegurar que os debates, como parte permanente de cada eleição geral, apresentem aos espectadores e ouvintes a melhor informação possível".
O papel de guardião da verdade desempenhado pela mídia noticiosa no passado foi criticado, com razão, por limitar os pontos de vista que não se enquadravam em sua perspectiva decididamente mainstream. Mas também significava que os candidatos geralmente se enfrentavam dentro dos limites do mesmo conjunto de fatos confirmados e verídicos.
AP | ||
Gerald Ford e Jimmy Carter durante debate em 1976 na Filadélfia |
Tome-se o caso do segundo debate presidencial entre o presidente Gerald Ford e Jimmy Carter em 1976. Max Frankel, do "New York Times", perguntou a Ford sobre o domínio da Europa do leste pela União Soviética e reagiu com incredulidade quando convidou Ford a esclarecer sua observação de que os soviéticos não eram dominantes nessa região. No dia seguinte, as atenções se voltaram sobre a declaração geopolítica catastroficamente equivocada de Ford, e não sobre seu inquisidor, Frankel.
Se essa discussão tivesse acontecido hoje, assessores políticos e provocadores no Twitter com certeza teriam encontrado uma maneira de desviar a atenção do público para Frankel -cuja segunda pergunta foi na realidade uma tentativa de oferecer a Ford uma maneira de sair da enrascada em que este se metera, conforme me disse o moderador. E algumas vozes da mídia americana teriam procurado contestar a verdade dos fatos na Europa do leste (talvez até o fizessem numa rede de TV americana financiada pela Rússia, como a RT).
No ambiente em que operamos hoje, metade dos eleitores de Trump talvez acredite na versão falsa de que Hillary Clinton teve conhecimento antecipado dos ataques em Benghazi em 2012 e optou por não fazer nada, como constatou uma pesquisa de opinião da universidade Fairleigh Dickinson feita na primavera americana. Numa pesquisa mais recente "New York Times"/CBS, metade dos partidários de Trump disseram acreditar que as chances de imigrantes ilegais cometerem crimes é maior que a de cidadãos americanos o fazerem (a grande maioria das pesquisas constatou que a verdade é o oposto disso).
Tudo isso deve levar as pessoas que valorizam políticas governamentais baseadas na verdade a apreciar melhor o trabalho de jornalistas imparciais. Como disse o historiador Michael Beschloss em conversa telefônica na semana passada, "vivemos numa época em que há tão poucos guardiões da verdade que precisamos realmente dos poucos que são possíveis".
Tradução de Clara Allain