Pivô da máfia da merenda diz em depoimento, ao qual ISTOÉ teve acesso, que lobista ligado ao presidente do Senado recebeu 15% de propina desviada de contratos superfaturados da prefeitura de Maceió. A delação coloca Renan no centro de mais um escândalo de corrupção
O lobista Milton Lyra é conhecido nos subterrâneos do poder em Brasília como o operador e homem da mala do presidente do Senado, Renan Calheiros (AL). Em 1º de julho, sua casa e empresas foram reviradas pela Polícia Federal em uma operação de busca e apreensão solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Para os investigadores, há fortes indícios de que Lyra intermediava repasses de propina de empresas a Renan e a outros senadores do PMDB indicados pelo presidente do Senado. A acusação ganhou contornos mais nítidos a partir da delação premiada de um ex-diretor da Hypermarcas, Nelson Mello, que confessou ter feito pagamentos a Renan e aos peemedebistas por meio do lobista. Um total de R$ 26 milhões. Agora, uma nova delação revela que Milton Lyra não só era useiro e vezeiro nessa prática criminosa como costumava diversificá-la. Desta vez a propina saía do contrato para fornecimento de merenda às escolas municipais de Maceió.
A revelação, feita por Genivaldo Marques dos Santos, em depoimento ao qual ISTOÉ teve acesso, coloca Renan no epicentro de mais um escândalo de corrupção. Genivaldo é ex-funcionário do grupo SP Alimentação, pivô do escândalo da máfia da merenda no Estado de São Paulo, que estourou em 2010. Em sua delação ele revelou os meandros de sistemáticos pagamentos de propina a diversas prefeituras no País. Um dos capítulos mais robustos envolve a prefeitura de Maceió, à época comandada por Cícero Almeida, ex-prefeito, hoje aliado de Renan e de seu filho Renanzinho, governador do Estado. Segundo o delator, os repasses saíam do superfaturamento na merenda. “A propina paga a Milton Lyra e outros era de 15% (quinze por cento) sobre o valor pago pela Prefeitura de Maceió à SP Alimentação”, afirmou em depoimento. “O dinheiro (papel moeda) era entregue quinzenalmente no município de São Paulo, na sede da SP Alimentação, a Milton Lyra”, acrescentou.
O significado da planilha
Na delação, ele deu explicações sobre uma planilha encontrada por investigadores. Contou, por exemplo, que dois pagamentos de R$ 25 mil em abril e maio de 2006 com a rubrica “despesa de inauguração de escola” eram para pressionar o secretário de Educação a terceirizar a merenda nas demais escolas de Maceió, porque até aquele momento estava terceirizada apenas em cerca de 30 escolas. Com isso, o grupo mafioso poderia aumentar seu alcance.
Pagamentos com a rubrica “despesa de inauguração” eram para
pressionar pela terceirização da merenda em outras escolas
O relato de Genivaldo foi minucioso, detalhando até a roupa que o lobista costumava vestir nas visitas destinadas ao recebimento do dinheiro. “Milton Lyra sempre vinha a São Paulo recolher a propina de jatinho particular. Geralmente, Milton Lyra usava terno azul”, disse aos investigadores. O delator envolveu diretamente o prefeito no acerto. Segundo ele, houve uma reunião no Hotel Ritz, de Maceió, entre o dono da SP Alimentação Eloizo Durães e o então prefeito Cícero Almeida, que estaria insatisfeito por não receber sua parte de propina, que chamavam de “retorno” por ser o desvio de uma parte do contrato da merenda. “Ficou sabendo por Eloizo Durães que o prefeito Cícero Almeida foi informado de que o valor do ‘retorno’ estava sendo entregue a Milton Lyra, para que este repassasse a João Lyra”, relatou Genivaldo. E completou: “Eloizo disse que Cícero determinou que o pagamento do ‘retorno’ fosse feito diretamente a este. Depois dessa reunião, contudo, foi feito ainda um último pagamento a Milton Lyra, que foi chamado à sede da SP Alimentação para ser comunicado da insatisfação de Cícero Almeida”.
A extensão da máfia
Os investigadores querem saber agora se o dinheiro da propina chegou às mãos de Renan. Lyra ganhou projeção no meio político e empresarial depois que se aproximou do presidente do Senado, ainda em 2007. O lobista morava perto de Renan no Lago Sul, área nobre de Brasília. Aproveitava a proximidade para se encontrar com Renan à noite, ao menos três vezes na semana. A partir daí, a relação se solidificou e os dois passaram a ser visto constantemente juntos em jantares na capital federal.
Em nota, Milton Lyra disse que “não conhece o referido ‘suposto delator’. São falsas as inferências”. A assessoria jurídica de Cícero Almeida afirmou que ele “desconhece qualquer coisa sobre esse tema” e classificou a acusação de “denuncismo típico de campanha eleitoral” por sua posição nas pesquisas. A assessoria de Renan disse que não comentaria o caso.
Em 2004, Cícero Almeida foi apoiado por João Lyra para disputar a Prefeitura de Maceió. Agora, em 2016, Cícero se filiou ao PMDB e, com a benção do presidente do Senado e de seu filho, o governador Renan Filho, está concorrendo novamente à Prefeitura de Maceió. A última pesquisa Ibope, divulgada em 14 de setembro, mostrou Cícero na segunda posição, com 28% das intenções de voto, atrás do atual prefeito Rui Palmeira (PSDB), que tem 35%. Renan atualmente é alvo de oito inquéritos da Operação Lava Jato, sob suspeita de receber propina de contratos da Petrobras. Agora, ele tem mais essa para explicar.
Foto: Adre Coelho / Agência O Globo; Zanone Fraissat/Folhapress