segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Haddad foi alertado para suposta fraude no Theatro Municipal de SP

Thais Arbex - Folha de São Paulo


Paulo Dallari, que deixou na semana passada a direção-geral do Theatro Municipal, apresentou ao Ministério Público Estadual de São Paulo, à Controladoria Geral do Município e ao prefeito Fernando Haddad documentos que indicam que o maestro John Neschling, diretor artístico da casa, beneficiou seu agente na contratação de um espetáculo.

O maestro é responsável pela seleção e pela contratação dos artistas do Municipal.

Mesmo diante das informações, tanto a Controladoria quanto o prefeito entenderam que não havia elementos para afastar Neschling. A permanência do maestro no cargo foi a razão para o pedido de demissão de Dallari da prefeitura. 

Na Promotoria, a permanência do maestro no teatro é tida como "inadmissível".

Gerard Julien/AFP
TOPSHOT - A dancer of "La Fura dels Baus" company performs during a general rehearsal of Manuel de Falla's opera " El Amor Brujo", directed by Carlus Padrissa at the Canal theatre in Madrid on May 5, 2016. / AFP PHOTO / GERARD JULIEN ORG XMIT: GJ5719
Bailarina da companhia La Fura dels Baus em cena do espetáculo 'El Amor Brujo'


O material, ao qual a Folha teve acesso, integra o relatório final da intervenção que Dallari comandou no Municipal, depois de investigações da Promotoria apontarem um rombo de cerca de R$ 15 milhões nas finanças do teatro.

Dallari foi nomeado em fevereiro interventor do Municipal por Haddad.

Os documentos tratam da contratação de "El Amor Brujo", do grupo catalão La Fura dels Baus, com intermediação de Valentin Proczynski, agente de Neschling no exterior.

Na última semana de julho, o Ministério Público teve acesso a cópia de um contrato entre Proczynski e o Fura sobre as apresentações do espetáculo em São Paulo.

O valor do contrato, ao qual a Folha também teve acesso, era de 68.747 euros, que corresponde a apenas 28% dos 240 mil euros que o Municipal pagou ao produtor para as apresentações. Neschling foi consultado se o valor estava de acordo com o mercado e aprovou o pagamento.

Em e-mail enviado a Dallari, o maestro afirmou "que os preços acordados são compatíveis com as práticas internacionais nesta matéria, se não até mais baratos".

Pressionado a informar o valor real do espetáculo, Proczynski confirmou os 240 mil euros (R$ 878 mil) e afirmou que ali estavam embutidos os 76.250 euros (R$ 278 mil) de direitos que ele teve de pagar à companhia catalã.

No entanto, em depoimento à Promotoria, no início do mês, antecipado pela Folha, o diretor do Fura, Carlus Padrissa, afirmou que a parte que cabia ao Municipal na coprodução da peça era de apenas 35 mil euros (R$ 128 mil).

A suspeita dos investigadores que acompanham o caso é de que o teatro arcou com o valor integral cobrado pelo grupo a Proczynski para que ele representasse "El Amor Brujo" em outros países.

De acordo com o contrato firmado entre o agente de Neschling e o grupo catalão, os 76.250 euros teriam de ser divididos entre três instituições: o Municipal, o Comunale di Bologna e uma casa a ser determinada "mais adiante".

No material encaminhado aos investigadores, também está relatado que Proczynski só firmou o contrato com o Fura depois de ter certeza de que o espetáculo viria ao país.

De acordo com o documento, as primeiras notícias da imprensa estrangeira afirmando que "El Amor Brujo" viria ao Municipal foram publicadas em janeiro e fevereiro de 2015, e Proczynski só se tornou coprodutor e detentor dos direitos da peça em abril de 2015.

Com base nos documentos, o Ministério Público avalia que o agente de Neschling só fechou o contrato com a companhia quando teve certeza de que a peça iria ao Municipal.

OUTRO LADO

O maestro John Neschling afirmou por meio nota que "há uma tentativa clara de enredar seu nome na prática de irregularidades" e que "El Amor Brujo" foi apresentado por Valentin Proczynski "como um projeto existente, com detalhes, fotos e prospecto".

O maestro confirma que sugeriu a contratação da peça, por ter ficado "entusiasmado pela música de Manuel de Falla" e "encantado" com o projeto, e que atestou seu preço. "Estava dentro dos parâmetros do mercado internacional."
Neschling diz desconhecer que Proczynski adquiriu os direitos da peça –"isso é um problema dele"– e que só teve conhecimento dos custos agora, já que "na condição de diretor artístico não lhe cabe discutir os valores de cada item". 

Neschling diz que o trabalho que Proczynski lhe presta no exterior não tem "nenhuma relação" com as atividades do Municipal.

A Prefeitura de São Paulo confirmou ter recebido os documentos e os enviado à Controladoria Geral do Município, que considerou as explicações tanto do maestro como do empresário satisfatórias. "Até o momento [a Controladoria] não encontrou nada que justificasse o afastamento do maestro", afirmou o prefeito Fernando Haddad em nota.

O texto diz que a demissão do ex-interventor Paulo Dallari se deu por motivos pessoais. Procurado, Dallari não quis comentar. Proczynski não foi encontrado.