sábado, 27 de agosto de 2016

Crise faz jovem voltar à casa dos pais

Anna Carolina Papp Luiz e Guilherme Gerbelli - O Estado de S.Paulo


Forte aumento do desemprego e custo de vida elevado levam brasileiros a abrir mão da independência conquistada nos últimos anos

Foto: ALEX SILVA | ESTADAO CONTEUDO
Desemprego
Após um ano de casados, Fernando e Victoria abriram mão de morar sozinhos
Acostumados com a prosperidade econômica da última década, jovens brasileiros nascidos no fim dos anos 80 e 90 – a chamada geração milênio – enfrentam, pela primeira vez, um cenário de recessão. Quem já havia conquistado a independência financeira ficou frente a frente com o desemprego e a inflação e foi obrigado a cortar custos para equilibrar as contas. Mas, em alguns casos, esse malabarismo não tem sido suficiente e a saída foi fazer o caminho de volta: arrumar as malas e retornar à casa dos pais.
Foi o que restou aos recém-casados Fernando e Victoria Comar. Eles abriram mão do apartamento alugado de 35 metros quadrados no Cambuci, centro de São Paulo, e foram morar com a mãe de Victoria, no Ipiranga, zona sul da cidade. “Casamos em fevereiro de 2015 e ficamos pouco mais de um ano morando de aluguel. Mas, com o passar do tempo, a gente viu que todo o dinheiro que entrava logo ia embora”, diz o auxiliar jurídico Fernando Comar, de 23 anos. Ele e Victoria, auxiliar de classe, pagavam R$ 850 de aluguel e R$ 250 de condomínio.
Sem conseguir equilibrar o orçamento, a sogra deu a ideia de irem para a sua casa. Há quatro meses de volta ao ninho, o casal desembolsa pouco mais de R$ 400 para ajudar com as contas – quantia equivalente ao que gastavam antes. Já o valor do aluguel, porém, ganhou novo destino: aplicações no Tesouro Direto. Para incrementar a renda, o casal está montando uma empresa de prestação de serviços para festas infantis, chamada Maddame Min. “Queremos fazer um pé de meia primeiro antes de sair”, diz Comar.
 

Os dados mais recentes sobre a chamada “geração canguru”, jovens de 25 a 34 anos que ainda moram com os pais, são de 2014. Segundo a pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, elaborada pelo IBGE com base em dados da Pnad, praticamente um em cada quatro jovens (24,3%) dessa faixa etária morava com os pais há dois anos. Desse grupo, 34,9% tinham ensino superior incompleto ou nível mais elevado. Já em 2004, a parcela de jovens morando com a família era de 21,2%.
Embora não haja um levantamento recente sobre a “migração” de jovens para a casa dos pais no Brasil, exemplos lá de fora mostram que essa é uma tendência em tempos de crise. Na Espanha, onde o desemprego entre jovens beira os 46%, apenas dois em cada dez espanhóis com idade entre 17 e 29 anos conseguem deixar a casa da família.
O caminho que os brasileiros estão tomando é bastante parecido com o percorrido pelos jovens europeus. Uma das maiores causas desse movimento foi o avanço do desemprego. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), no segundo trimestre deste ano, a taxa de desocupação entre jovens de 18 a 24 anos era de 24,5% – mais que o dobro da taxa média do País (11,3%).
Aluguel. Nesse cenário, os gastos com locação e condomínio tornam-se uma despesa muitas vezes incompatível com o orçamento. “Com os problemas macroeconômicos, muitos jovens resolveram voltar para a casa dos pais, especialmente por causa do valor do aluguel”, afirma Mark Turnbull, diretor da vice-presidência de Locação e Gestão Patrimonial do Secovi-SP, entidade que representa o setor imobiliário. “Mesmo que os preços dos aluguéis tenham caído, ainda assim não cabem mais no bolso desses jovens, que muitas vezes dividem apartamento com três, quatro ou até mais pessoas.

Isso tem mexido com o mercado imobiliário. Especialistas do setor relacionam a queda no preço dos aluguéis de imóveis a uma série de fatores e, entre eles, está esse movimento de jovens que optam por continuar morando com a família. Em julho, na cidade de São Paulo, o preço médio de locação dos últimos 12 meses recuou 2,2%, segundo o Secovi-SP. “Os preços estão em queda porque as pessoas que não estão conseguindo vender o imóvel acabam colocando para alugar”, diz Eduardo Zylberstajn, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e coordenador do índice Fipe/Zap.