domingo, 24 de julho de 2016

"É preciso derrubar os muros que alimentam o jihadismo", editorial de O Globo

A melhor alternativa para enfrentar a nova face do terror passa pela integração social e cultural das comunidades suscetíveis à pregação jihadista


Os atentados realizados pelo Estado Islâmico (EI) nos últimos meses levam à constatação de que o terror mudou de face. À medida que perde território na Síria e no Iraque, o grupo aumenta os ataques contra alvos civis no Ocidente. E, para isso, os radicais não se furtam a recorrer às tecnologias de ponta e às redes sociais na internet para disseminar sua ideologia de ódio, ensinar técnicas e táticas de terror e recrutar ativistas, inclusive os “lobos solitários”, como são chamados os simpatizantes que atuam por conta própria, e cujas ações são difíceis de prever, como o ataque de Omar Siddique Mateen, numa boate GLS em Orlando, em que matou 50 pessoas.

Enquanto adolescentes europeus e americanos de origem muçulmana fogem de casa para aderir ao EI na Síria e no Iraque, outros jovens aprendem a fazer bombas caseiras, como os irmãos chechenos Dzhokhar Tsarnaev e Tamerlan Tsarnaev, autores do atentado da Maratona de Boston, em 2013, em que morreram três pessoas e outras 264 ficaram feridas.

Especialistas chamam a atenção para o fato de que Mohamed Lahouaiej-Bouhlel, o motorista de caminhão que atropelou centenas de pessoas em Nice, durante as comemorações pela Queda da Bastilha, matando 84, inclusive crianças, sequer estava na lista de vigilância das autoridades.

Tunisiano de nascimento, ele vivia legalmente na cidade e ao que parece não tinha relações com extremistas. Envolvido em pequenos casos de delinquência, como furtos, Bouhlel era conhecido como uma pessoa problemática pelos vizinhos, mas ninguém o associava à jihad e nem mesmo à fé islâmica. Isto coloca um problema para as autoridades: como evitar um atentado dessa natureza. Segundo o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, “os tempos mudaram, e a França terá que se acostumar ao terrorismo”.

De fato, não há muito o que fazer a curto prazo, sendo necessário pensar numa estratégia mais permanente e mais ampla do que mera vigilância e repressão.

Isso exigirá que os governos ocidentais repensem suas políticas domésticas em relação aos grupos sociais vulneráveis à chamada de guerra do extremismo islâmico. É incontornável, nesse aspecto, a adoção de políticas de integração social, econômica e cultural das parcelas da população hoje marginalizadas e isoladas em periferias das metrópoles.

Ao contrário da lógica nacionalista, de construção de cercas e aplicação de políticas de segregação, como defendem ultranacionalistas, como Marine Le Pen, na França, e Donald Trump, nos EUA. É preciso, ao contrário, derrubar muros, concretos e simbólicos, contrapondo ao isolacionismo que alimenta os ódios dos extremismos uma opção plausível de convivência comum.