sábado, 25 de junho de 2016

Investigar para fiscalizar


Fátima Xavier - Contas Abertas

AbrajiO 11º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) termina hoje, em São Paulo, com a palestra “Imprensa: O que vem depois da crise?”, do jornalista americano Bob Garfield, da rádio WNYC, de Nova York. Entre palestras e cursos destinados a jornalistas, a Abraji contou com a participação da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia que, em setembro, deverá assumir a presidência daquele tribunal. E homenageou os jornalistas Alberto Dines e Elvira Lobato. O congresso da Abraji é o mais importante encontro de jornalistas do Brasil e um dos maiores do mundo.
Bob Garfield que, segundo a Abraji, não é exatamente um otimista quanto ao futuro da mídia, apresenta há 15 anos o programa “On The Media” na WNYC, a maior rádio publica dos Estados Unidos, alcançando mais de um milhão de ouvintes por semana. Garfield tem cinco livros publicados e é colunista há cerca de 30 anos sobre mídia e marketing em grandes veículos. Ele vai analisar a cobertura da imprensa e seu modelo de negócios e, quem sabe, explicar porque costuma dizer que a crise da mídia “é comparável a um meteoro em direção à Terra”.
Alberto Dines também recebeu o “Prêmio Abraji de Contribuição ao Jornalismo” pelo trabalho à frente doObservatório da Imprensa, onde está há 20 anos. O prêmio foi criado em 2014 para destacar pessoas e instituições cujo trabalho presta auxílio relevante ao jornalismo brasileiro. Em seu primeiro ano, o prêmio foi entregue ao economista Gil Castelo Branco pelo seu trabalho à frente da Associação Contas Abertas. Em 2015, o então diretor-executivo da Transparência Brasil, Cláudio Weber Abramo, foi o agraciado.
Transparência x privacidade
De alta qualificação técnica e sintonizada com as questões da cidadania, a ministra Cármen Lúcia participou do painel “Liberdade de Imprensa e Expressão no Judiciário”, mediado pela colunista do O GLOBO, Miriam Leitão, entre outros palestrantes de destaque. Cármen Lúcia defendeu o jornalismo e a liberdade de expressão como princípios básicos da democracia, acredita que a população brasileira já se deu conta de que é afetada pelos casos de corrupção porque o dinheiro público é de todos e afirmou que os tribunais têm que ter transparência.
A ministra falou sobre privacidade, disse que não pode haver sigilo para proteger uma pessoa pública, mas argumentou que o tempo do direito é diferente do tempo da política ou da economia. Lembrou que alguns processos precisam correr em segredo de Justiça porque sua divulgação pode fazer com que um investigado destrua provas, mas ressaltou que esta é uma das poucas exceções ao princípio da publicidade do Judiciário.
Sobre a divulgação de gravações da Operação Lava Jato em que autoridades dizem ter influência sobre ministros dos tribunais, a futura presidente do STF afirmou ser “impossível”, que “há blefe o tempo todo” e que, se isso acontecer, é uma tentativa de crime e será punida – “Não acho que alguém tenha tamanha petulância” -, mas admitiu que os processos contra políticos ainda enfrentam dificuldades. “No Brasil, a gente engole o elefante, mas engasga com a formiga. Consegue fazer o impeachment, mas não consegue tirar o vereador da cidade pequena que todo mundo sabe que roubou ou fez coisa errada”, disse a ministra.
Investigar para fiscalizar
Abraji Minicurso GilA Associação Contas Abertas, como nos congressos anteriores, ficou responsável pelo curso “Investigação de Gastos Públicos”, ministrado pelo secretário-geral Gil Castello Branco e o analista de sistema, Carlos Benner.
O objetivo do curso é demonstrar os recursos existentes no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) e as ferramentas disponíveis em sites governamentais para a fiscalização dos gastos da União.
Castello Branco acredita que o acesso a dados públicos foi ampliado com o desenvolvimento da tecnologia da informação, da internet e da cobrança da sociedade por meio das redes sociais. E comemora o fato de, atualmente, ter mais informações do que a capacidade de analisá-las. No curso, fez o que chama de pequena degustação de portais e orientou os jornalistas a transformar números em pautas.
Golpistas?
A jornalista Elvira Lobato foi homenageada por seus 40anos de carreira, parte dela como repórter especial na Folha de S.Paulo e no Jornal do Brasil. Na Folha, Elvira trabalhou por mais de duas décadas até se aposentar em 2011. Atualmente a jornalista trabalha em projetos como o site Mulheres 50+, sobre as mudanças do universo feminino após os 50 anos.
Duas das principais reportagens de Elvira Lobato foram lembradas como marco de sua carreira, a que denunciou a existência de uma instalação para teste de armas nucleares na Serra do Cachimbo (PA) e sobre a existência de uma rede de empresas ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus, que resultou em mais de cem processos contra ela e a Folha, mas rendeu-lhe também um Prêmio Esso de Jornalismo (ExxonMobil), em 2007. Na Abraji, Elvira questionou os que falam em “imprensa golpista”, defendendo os colegas: “A imprensa somos nós, o repórter, o redator. Somos golpistas?”.