sexta-feira, 1 de abril de 2016

"Os vendilhões do Planalto", editorial do Estadão


A aprovação ou a rejeição do impeachment de Dilma Rousseff vai depender, exclusivamente, de que os vendilhões do Planalto consigam negociar em número suficiente a mercadoria no momento mais valorizada no cenário político: os votos a serem registrados na sessão plenária que vai decidir a sorte da presidente da República. Pode-se dizer, alternativamente, que o mandato de Dilma vai depender de que parlamentares venais fiquem satisfeitos com o que os traficantes de consciência, tendo à frente Luiz Inácio Lula da Silva, têm a lhes oferecer em troca do voto. E o mais vergonhoso é que essa estratégia de cooptação baseada na corrupção dos valores morais que deveriam prevalecer na gestão da coisa pública – estratégia definida esta semana pelo ministro Jaques Wagner como uma “repactuação” das alianças – foi concebida e é coordenada a partir dos gabinetes do poder e está sendo abertamente discutida nos círculos políticos. Definitivamente, o lulopetismo perdeu de vez a vergonha.


Há porta-vozes de Lula, como o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que até se permitem gabar-se do “sucesso” de suas artimanhas: “Diziam que após o rompimento do PMDB haveria uma debandada e o que estamos vendo hoje é um movimento inverso, vários partidos voltando para a base. O PMDB facilitou o jogo para o governo, que terá agora condições de construir uma maioria (sic) de 200 votos. Não haverá impeachment”.
De qualquer modo, a “repactuação” pela “maioria” de 200 votos vai dar trabalho a Lula e sua tropa de choque, a começar pelos seis Ministérios ocupados pelo PMDB que, pela lógica, já deveriam estar disponíveis para serem negociados por votos na Câmara dos Deputados. Henrique Eduardo Alves, do Turismo, já se demitiu. Até dois dias atrás era dado como certo que três ministros peemedebistas desejavam permanecer nos cargos: Kátia Abreu, da Agricultura, da cota pessoal de Dilma; Marcelo Castro, da Saúde; e Celso Pansera, de Ciência e Tecnologia. Outros três estariam dispostos a renunciar tão logo ultimassem questões pendentes em seus gabinetes.
Ontem, o panorama já era diferente: a despeito da decisão do Diretório Nacional de determinar a “imediata saída”, todos os seis peemedebistas passaram a demonstrar que gostariam de continuar ministros. Ocorre que o Ministério da Saúde, por exemplo, já está sendo negociado com outros partidos, para profunda frustração do controvertido ministro Marcelo Castro. Corre o mesmo risco outro que está agarrado ao cargo com unhas e dentes: Celso Pansera. De qualquer modo, a composição final do Ministério “repactuado” dependerá do que cada aspirante a ascender ou permanecer no cargo poderá oferecer em termos de votos contra o impeachment.
Enquanto isso, na linha da falta de compostura a que o desespero a está levando, Dilma Rousseff voltou, quarta-feira e ontem, a privatizar o espaço público da sede do governo de todos os brasileiros para promover comícios partidários em defesa de seu mandato. E não desperdiçou as oportunidades para elevar o tom na escalada “antigolpe” a que se entregou de corpo e alma. Como a palavra de ordem “impeachment é golpe” ficou desmoralizada pela evidência de que o afastamento é preceito constitucional inquestionável, Dilma foi forçada a fazer uma adaptação no mantra: “impeachment sem crime é golpe”, conforme berrou, com voz cada vez mais esganiçada, sob aplausos delirantes das claques.
Mais uma vez, Dilma age de má-fé e fala bobagem. O impeachment precisa, é claro, ter justificativa legal. Mas a existência ou não dos crimes alegados no pedido de impeachment é uma questão que cabe aos congressistas julgar. A presidente da República tem o direito de se defender, mas não o direito de se antecipar a uma decisão soberana do Congresso Nacional e decretar que o pedido de impeachment, já em tramitação na Câmara, não tem fundamento. Muito menos lhe cabe incendiar o País em benefício próprio. Se tivesse um mínimo de compostura, a desesperada chefe do governo preservaria a dignidade de seu mandato deixando a cargo de seus advogados e correligionários a tarefa de expor, nos foros adequados e com linguagem pertinente, os argumentos de sua defesa.
Mas Dilma só faz o que sabe. Formada na escola do “centralismo democrático”, com aperfeiçoamento no populismo lulopetista, ela acredita que o governante pode tudo, inclusive colocar-se acima da lei.