terça-feira, 19 de abril de 2016

Gilmar Mendes cita jurisprudência, mas evita comentar caso de Temer em processo de cassação no TSE

Luiza Souto - O Globo


O vice-presidente Michel Temer pode sair ileso do processo de cassação da chapa Dilma-Temer de 2014. Em participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes lembrou de caso inédito no país em que um vice-governador de Roraima foi absolvido de um processo com seu antecessor, que acabou falecendo. Segundo ele, apenas o autor de irregularidades, no caso a presidente Dilma Rousseff, seria punido. Em conversa com jornalistas, Mendes disse ainda que a petista não tem mais condições de governar.

— Cassado o cabeça de chapa, cassa-se o vice? Em princípio, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) responde que sim. Essa é a jurisprudência até aqui. Entende até que se aplica a pena de inelegibilidade a quem for responsável pelo ato, mas não se aplica ao segundo. Mas de qualquer forma ambos são cassados — explica ele.

Mendes lembra que a situação é nova no país e cita caso envolvendo o ex-governador de Roraima, Ottomar Pinto. Ele sofreu impugnação e, durante processo, faleceu, em 2007. O vice, Anchieta Júnior, foi absolvido das acusações contra a chapa.

— O tribunal entendeu que as imputações não eram transferidas ao seu vice, porque a prática é atribuível ao titular — explica ele, que não quis analisar o caso de Temer: — Não vou fazer juízo sobre isso agora. Cada caso tem seu momento — pondera ele, que assumirá a presidência do TSE no próximo dia 12 de maio.

Perguntado se o impeachment foi um golpe, discurso amplamente defendido pelo governo, Mendes fala em cuidado:

— Me parece que houve toda uma cautela em relação a não receber fatos anteriores ao mandato que findou em 2014 o que é discutível. Aqui mistura-se um pouco a luta jurídica com política. Não se falou em golpe quando se tratou em destituir Collor, talvez porque era de um partido mais fraco e talvez tenha havido discussões jurídicas mais sérias. Estamos realmente a falar de algo que não faz sentido no plano exclusivamente jurídico, mas no plano da retórica da luta politica — defende ele, lembrando ainda que o impeachment é um processo traumático:

— O presidente, quando não consegue 172 votos de 513, é porque não tem mais condições de governar. Não vai ser mantido no cargo por liminar do STF. É uma opção muito séria, mas também demonstra debilitamento muito acentuado do Executivo quando chega a esse ponto. Do ponto de vista jurídico, não vejo nenhum reparo .
Mendes também foi questionado sobre a situação do presidente do Senado Renan Calheiros e o da Câmara Eduardo Cunha, ambos acusados de receber propinas. O ministro é taxativo ao dizer que não enxerga a possibilidade de ambos se livrarem de processos com o partido deles no poder.

— Há uma certa força e consistência nas instituições, com procuradores e investigadores independentes. E isso é um dado positivo — aponta.

No caso de Cunha, acusado de ocultar contas na Suíça e de receber US$ 5 milhões de propina da Petrobras, Mendes fala de “peculiaridades”:

— Em algum momento se falou que ele operava para dificultar as investigações. Houve até busca e apreensão dos computadores da Câmara dos Deputados, mas a Procuradoria não pediu seu afastamento. Também não pediu quando ofereceu a denúncia. Até agora o relator, o ministro Teori Zavascki, não entendeu cabível seu afastamento. Certamente deve haver uma justificativa.

Ainda sobre Eduardo Cunha, acusado também de manobras para não ser julgado, Mendes criticou o modelo atual de foro privilegiado.

— Jamais tivemos tanta prerrogativa de foro. Temos 90 parlamentares investigados e 45 com denúncia já formalizada. Isso é um número enorme. No mensalão, tínhamos 40 acusados e consumimos seis, sete meses julgando. O tribunal parou para fazer isso. É uma questão delicada. Também gostaria de reparar que sem a prerrogativa de foro não tínhamos julgado o Mensalão. Ali que começa, talvez, toda essa evolução de cobrança, a punição desses casos mais graves. Do contrário, teríamos processos em todos os lugares, habeas corpus e muito provavelmente eles não terminariam. Tanto é que os de 1ª instância até agora não terminaram. Não se pode maldizer simplesmente a prerrogativa de foro. Mas não dá mais para manter o modelo como está.

Questionado sobre a lentidão do processo de Renan Calheiros, Mendes coloca a “culpa” na procuradoria-geral da República:

— O que sei é que o Ministro Fachin pautou a denúncia, a defesa do senador suscitou dúvidas, o processo voltou à Procuradoria, que pediu novo inquérito. E esse processo não voltou à pauta. Se há algum déficit, ele deve ser debitado na conta da procuradoria-geral da República. O STF não tem nada com relação aos nove inquéritos.
O ministro falou ainda das tentativas de o governo continuar recorrendo ao STF para tentar barrar o impeachment. Para ele, “não vai se resolver a ocupação ou não de um cargo público por liminar”:

— É preciso que se coloque os interesses do país acima dessas questões. Até aqui, a jurisprudência do Tribunal sempre foi de não se envolver com o mérito da decisão do Congresso.

Sobre o quadro atual do governo, Mendes dá seu parecer:

— O Brasil, já há algum tempo, está vivendo situação bastante delicada. Muitos observadores falam em sinais de desfuncionalidade, em dificuldades, colapsos em todo o sistema. Nesses dias tivemos ministros que ocuparam cargos em 24h. Isso não permite deslanchar as atividades do governo. Precisamos voltar a ter um quadro de normalidade, uma gerência das atividades, dos investimentos. Não se sabe o que o governo vai fazer ou deixar de fazer amanhã. É um quadro delicado.