sábado, 9 de abril de 2016

Crise hídrica: Brasil foca mais nos efeitos do que nas causas, aponta TCU


Dyelle Menezes - Contas Abertas



Levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou que o Brasil não está preparado para lidar com a nova conjuntura climática e com a consequente escassez hídrica. De acordo com a Corte, apesar de terem sido identificadas importantes iniciativas nesse sentido, as ações se mostram desarticuladas e com foco mais nos efeitos do que nas causas.


seca


“Ainda não há uma política ou uma estratégia nacional estruturada para aumentar a resiliência ou a capacidade do sistema de gestão de recursos hídricos em prevenir e mitigar crises, antecipando-se às adversidades crescentes por intermédio da preparação e da adaptação constante”, explica relator do processo ministro André Luís de Carvalho, que também destacou que a situação é grave e urgente.

Em relação à constatação de que o governo adota modelo de gestão de crise, calcado principalmente em ações reativas, o Tribunal apontou, por exemplo, que na região Nordeste, a seca tem sido enfrentada basicamente com ações emergenciais.

Dessa forma, são priorizadas as operações de carros-pipa, a construção de cisternas, a perfuração e recuperação de poços, a venda de milho para a alimentação de rebanhos e até o auxílio financeiro a agricultores de municípios em situação de emergência ou de calamidade pública (Bolsa Estiagem).
Já as ações de infraestrutura (construção de sistemas adutores e barragens, dentre outros) têm se mostrado insuficientes e até inadequadas para evitar episódios mais agudos de escassez hídrica.

“A falta de política nacional específica para a seca ou de estratégia integrada para gerenciar os riscos crescentes de escassez hídrica em todo o país consiste em falha grave, merecendo a priorização urgente e a colaboração efetiva de vários órgãos e entidades federais, estaduais e municipais, já que o atual marco legal prevê a gestão descentralizada e, ao mesmo tempo, concorrente dos recursos hídricos”, apontou o relator.

O levantamento do Tribunal abordou dois conjuntos de eventos de risco relevantes: os efeitos da poluição orgânica na disponibilidade hídrica (do lado da oferta) e a promoção do uso eficiente dos recursos hídricos (do lado da demanda).

No primeiro caso, o TCU destacou que no Brasil, a poluição hídrica está diretamente relacionada com os baixos níveis de coleta e de tratamento de esgotos. A situação é crítica de tal modo que a elevada carga orgânica lançada em rios, em particular nas regiões metropolitanas de SP e do RJ, afeta a disponibilidade e a qualidade da água, além de elevar os custos de tratamento e de abastecimento público.

“A despeito de não exercer a titularidade dos serviços de esgotamento sanitário, a União tem papel fundamental na indução do desenvolvimento do setor, por meio da transferência de recursos financeiros, do estímulo à regulação dos serviços e do apoio ao desenvolvimento institucional, bem como da articulação entre órgãos e entidades das diversas esferas de governo que tenham interface com o tema, até mesmo porque o setor de saneamento possui arranjo complexo e fragmentado, com destaque para o papel dos municípios, como planejador, regulador e fiscalizador”, explica o estudo.

De acordo com o TCU, o orçamento da União para saneamento básico atingiu o montante de R$ 14,4 bilhões em 2013, sendo que 42% destinaram-se a abastecimento e menos de 12% ao componente esgotamento sanitário. Os números explicam, de certa forma, a cobertura de 84% de domicílios atendidos no ´país com rede de água contra apenas 56% com rede coletora de esgoto (dados de 2015). 

Essa relação piora muito nas regiões Norte (58% contra 13%) e Nordeste (78% contra 35%)

Já em relação à eficiência no uso da água, o levantamento chama a atenção para os elevados índices de perdas nas redes de distribuição na maior parte dos municípios brasileiros, já que no país, a perda média, em 2013, foi de 37%, equivalendo a 5,95 bilhões de metros cúbicos ou quase seis vezes a capacidade do Sistema Cantareira.

As cidades com padrão de excelência têm índices menores do que 15% de desperdícios, bem assim que o Distrito Federal tem índice abaixo de 30%, longe ainda dos índices de países desenvolvidos, e que o Amazonas tem o pior índice, com 77% da água disponibilizada perdida na distribuição, antes de chegar aos consumidores.

Registre-se que a redução nos índices de perdas médias nos últimos anos tem sido pequena, conforme observado na presente fiscalização, destacando-se que, entre 2004 e 2013, a queda no índice de perdas de faturamento foi de apenas 0,35% ao ano, cujo ritmo tende a atingir a média dos países desenvolvidos (15%) somente no ano 2080.

O TCU aponta que a solução clássica para a redução de perdas consiste na substituição de redes antigas, setorização, redução de pressão, melhoria na medição, atualização de cadastro de clientes e combate a fraudes. No entanto, várias dessas medidas têm custos elevados, exigindo planejamento e boa capacidade técnica e operacional, e a maior parte dos prestadores de serviços de saneamento enfrenta sérias limitações institucionais, dependendo fortemente de repasses da União para realizar investimentos.

“Como se vê, o governo federal pode e deve exercer papel importante na promoção do uso eficiente da água, direcionando os esforços para o desenvolvimento institucional dos prestadores de serviços e dando suporte às ações voltadas para a redução de perdas. Ainda cabe ao governo federal buscar formas de cooperação com os órgãos e entidades estaduais com vistas à fiscalização efetiva dos recursos hídricos”, explica o relator.

Para Carvalho, a política pública a ser desenvolvida, como estratégia nacional para lidar com a indisponibilidade hídrica, deve contemplar medidas para atuar nas causas da crise, considerando, com vistas a mitigar os efeitos deletérios da seca que já ameaçam as populações e a economia do país.
O relator lembrou que o desastre ocorrido em Mariana (MG), em novembro do ano passado, com o rompimento da barragem de rejeitos de mineração mostrou dramaticamente o altíssimo custo do baixo investimento em gestão de riscos e prevenção.

Recomendação

O TCU recomendou à Casa Civil da Presidência da República que adote as providências necessárias para viabilizar a elaboração de política ou estratégia nacional para a seca baseada na gestão de riscos.

No plano deverão ser observados aspectos como a articulação e coordenação de esforços de órgãos e entidades federais envolvidos na gestão de recursos hídricos e a integração de estudos e ações em curso que possam ser aproveitados no contexto da aludida política nacional para a seca, a exemplo do Plano Nacional de Adaptação (PNA) e do Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH).

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